Do livro A montanha mágica ao filme Rumo à vida: a obra político-sanitária promovida por Bissaya Barreto e os seus sanatórios antituberculosos


Abstract

Este texto visa colocar em relação três planos distintos, mas complementares: os edifícios antituberculosos construídos, na década de 1930, na região de Coimbra; o livro A Montanha Mágica, publicado por Thomas Mann, em 1924, exemplo definidor do ambiente dos sanatórios enquanto espaço de conversão física e espiritual, e o filme promocional Rumo à Vida, de 1950, divulgador da obra promovida por Bissaya Barreto. Através de uma análise que se foca nos seus pontos de contacto, busca-se sintetizar alguns dos paralelismos de uma narrativa literária, cinematográfica e arquitetónica, que tem como cenário as estruturas sanatoriais.


El objetivo de este artículo es relacionar tres planos distintos, pero complementarios: los edificios antituberculosos construidos en la década de los treinta en la región de Coímbra; el libro La montaña mágica, publicado por Thomas Mann en 1924, ejemplo definitorio del entorno de los sanatorios como espacio de conversión física y espiritual, y la película Rumo à vida, de 1950, divulgadora de la obra promovida por Bissaya Barreto. Por medio de un análisis que se enfoca en sus puntos de contacto, se buscó sintetizar algunos de los paralelismos de una narrativa literaria, cinematográfica y arquitectónica, que tiene como escenario las estructuras sanatorias.


This article aims to link three different but complementary plans: the anti-tuberculosis clinics that were built in the Coimbra region in the 1930s; the novel The Magic Mountain, written by Thomas Mann in 1924, which was a defining example of the context of sanatoriums as spaces for physical and spiritual transformation; and the 1950 film Rumo à Vida, which promoted the work developed by Bissaya Barreto. Through an analysis that focuses on the meeting point between these three, the article endeavors to synthesize some of the parallels between literary, cinematographic, and architectural narratives that are set in sanatorium buildings.


Com o presente texto, pretende-se cruzar a vivência sanatorial expressa no livro A montanha mágica, de Thomas Mann, e a visão político-sanitária de Bissaya Barreto, aplicada nos sanatórios antituberculosos por si promovidos. Deste modo, o objetivo não é realizar uma análise literária ao emblemático livro de Mann. Este serve, sim, de ponto de partida para uma análise politíco-sanitária, sendo utilizado enquanto síntese de uma época e de um pensamento, indissociável, enquanto causa e consequência, de diversos aspectos arquitetónicos. Finalmente, o paralelismo feito com o filme Rumo à vida procura apontar a transposição do imaginário físico-mental dos sanatórios para uma outra narrativa, não literária, mas cinematográfica.

Ao longo da segunda metade do século XIX, as poucas certezas sobre a origem e tratamento da peste branca, bem como o facto de esta atingir tanto as classes pobres quanto as mais abastadas, conferiam-lhe um temido impacto. Isto expressava-se em planos distintos: o médico — com a crescente investigação científica;1 o urbano-arquitectónico — com o desenvolvimento por parte de promotores e arquitetos de propostas de desenho na esteira do pensamento higienista;2 o político — com a necessidade de respostas concretas e integradas de combate a um flagelo que implicava graves consequências sanitárias, demográficas e económicas; o cultural — com a multiplicação das referências a esta doença e de alguma glamourização em seu redor, junto dos circuitos ligados, nomeadamente, à pintura e à literatura,3 e o social — com consequências diretas na saúde dos indivíduos e das populações.

A construção de sanatórios afirmava-se, então, como uma das grandes armas contra a tuberculose. Estando em franca expansão, nomeadamente nos países do centro da Europa, os modelos aplicados neste ímpeto construtivo tiveram forte influência em Portugal,4 surgindo no primeiro quartel do século XX as experiências significativas iniciais neste programa, no nosso país.5 Com efeito, o papel do sanatório, enquanto fator operativo na cura da tuberculose, transformou este programa arquitetónico num caso de estudo apetecível em diversas áreas.

A cooperação entre médicos, arquitetos e empresários foi decisiva para a eficácia destes edifícios, o que os aprofundou enquanto objeto de enorme interesse para Bissaya Barreto (1886-1974), que era simultaneamente médico, político e promotor arquitetónico. Foi neste posicionamento privilegiado que empreendeu uma extensa e relevante obra na região de Coimbra, durante o Estado Novo,6 designadamente através da construção de diversos estabelecimentos de Saúde,7 sendo os primeiros anos da sua intervenção no campo da assistência e da medicina social, nas décadas de 20 e 30 do século XX, especialmente focados no combate à tuberculose. Esta preocupação refletiu-se no estudo profundo de várias publicações da especialidade e também na observação in loco, em diversas viagens ao estrangeiro, sendo o resultado mais visível do arranque do “arsenal antituberculoso”, implantado pela Junta Geral do Distrito de Coimbra, a criação de dois sanatórios populares, um feminino e outro masculino.

Precisamente durante este período, foi publicado o romance A montanha mágica (1924), que se tornou uma autêntica síntese emblemática, na esfera literária, da visão da tuberculose do ponto de vista médico, social e até espiritual. Já na óptica arquitetónica, o autor introduzia claras referências ao mobiliário e aos materiais usados na construção e na decoração, como os “móveis brancos e práticos, papéis de parede igualmente brancos, resistentes e laváveis, um oleado limpo a cobrir o soalho, e cortinas de linho, bordadas de maneira simples e graciosa, conforme o gosto moderno”.8

Fig 1.

Esquema organizativo da Obra Anti-Tuberculosa do Distrito de Coimbra, criado pela sua Junta Geral. Fundação Bissaya Barreto, Centro de Documentação da FBB.

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Fig. 2.

Mapa das obras promovidas, até 1956, inicialmente pela Junta Geral do Distrito de Coimbra e, de seguida, pela Junta de Província da Beira Litoral. Fundação Bissaya Barreto, Centro de Documentação da FBB.

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Fig 3.

Sanatório feminino de Coimbra (sala de refeições). Fundação Calouste Gulbenkian, Fundo Gulbenkian, Espólio Mário Novais.

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Fig 4.

Sanatório masculino de Coimbra (sala de convívio). Fundação Calouste Gulbenkian, Fundo Gulbenkian, Espólio Mário Novais.

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Partindo das conversas íntimas entre as personagens Joachim, internado há cinco meses, e o seu primo Hans Castorp, que o visita, surgem ainda compaginadas diversas considerações ora glamourizadas, ora filosóficas do ambiente geral do estabelecimento. Ali, onde se “modificam as concepções” que irão guiar o Homem “pelos caminhos do progresso e da civilização”, coabitavam “jovens de ambos os sexos, tostados pelo sol, que entravam cantarolando, conversavam com as criadas e atacavam a comida com vigoroso apetite”.9

A evolução programática e, consequentemente, formal dos sanatórios deu-se segundo duas correntes: uma privada e destinada à classe média alta, que encarava as estâncias quase como resorts turísticos,10 e outra, ligada a instituições públicas e assistenciais, que procurava enfrentar o problema social da tuberculose.11 Bissaya Barreto conhecia ambas as realidades: a primeira estava firmemente instituída na região alpina, por si visitada, e a segunda estava marcada na sua experiência médica.

Perante esta dualidade, o promotor propôs-se realizar uma síntese programática do modelo de sanatório, onde o público-alvo era maioritariamente a massa popular, dividida por sexos, mas em que a organização e a arquitetura procuravam uma aproximação às das estâncias suíças. O equilíbrio necessário para harmonizar esta bifurcação tinha ainda de ter em conta os paradoxos intrínsecos ao programa sanatorial. Sendo um espaço um pouco opressivo mas ao mesmo tempo amável, algo impositivo mas voluntário, isolado mas comunitário, vigiado mas livre,12 o seu funcionamento levantava questões novas que exigiam igualmente novos paradigmas funcionais, organizativos e arquitetónicos que abrangiam vertentes tão díspares como, por exemplo, o fardamento do pessoal e a exposição solar.

Consequentemente, apesar de possíveis abordagens que remetiam para uma certa aura turística e recreativa, fica claro que, em instituições como os sanatórios, que visavam à regeneração e transformação dos internados, um dos aspectos decisivos era a criação de normas claras, de horários rígidos e de rotinas agregadoras. Com elas, pretendia-se fomentar o ambiente geral de disciplina, facilitando, assim, a verificação constante e a eficácia do controlo exercido.

Deste modo, Bissaya Barreto preconizava a implementação de regras no sentido de “higienizar os costumes”, mas procurando que estas não fossem impostas duramente, tentando antes afirmar-se de modo quase íntimo e, portanto, mais poderoso. O médico tinha a convicção de que os hábitos eram “mais fortes que as leis”, sendo estas ineficazes quando “não encontram eco em quem as deve executar”.13 No espaço do sanatório, todas as ações da vivência diária eram encadeadas numa rotina que regia o funcionamento da estrutura sanatorial, facilitando, assim, a fiscalização sobre todas as situações do seu quotidiano.14 Este processo potenciava também uma maior união e identificação, enquanto grupo, de todos os internados, o que aumentava o autocontrolo.

Resumidamente, o seu objetivo primordial era sempre a instauração da ordem — uma atitude eminentemente arquitectónica — na busca do domínio perfeito da conjugação entre o Espaço e o Tempo.15

Cada estadia tornava-se num autêntico ritual, semelhante ao que se desenrolava em ambiente turístico. Contribuindo para esse ambiente, a utilização de materiais nobres e a integração de obras de arte não decorria de mero capricho artístico. Tratava-se também de um investimento na ritualização espaço-social que, embora adaptada ao cenário de sanatórios antituberculosos populares, como os de Coimbra, não deixava de exercer forte influência sobre os doentes.

Assim, o desenho arquitetónico dos sanatórios tinha em conta esta rotina com a criação e a relação de espaços específicos para cada uma das atividades que a compunha, de modo a que acontecesse “a vitória do lugar sobre o tempo”:16 no quarto, o sono e a observação médica; na galeria, o descanso e a cura solar; na sala de jantar, as refeições e o convívio; na biblioteca ou no auditório, o lazer; nos campos de jogos e jardins, a atividade física ao ar livre. Todos estes espaços cumpriam uma função inserida num processo curativo que deixava de ser apenas médico e passava a ser também influenciado fortemente pela arquitetura.

Simbolicamente, o sanatório era considerado quase como um templo, onde se criava uma atmosfera de busca de melhoramento individual (ao nível dos hábitos e dos valores), num contexto que ultrapassava as meras questões de saúde e de higiene. Não deixa de ser ilustrativo que, no trecho que encerra o capítulo VI do romance de Mann, sejam expostas ao protagonista as bases da maçonaria, num ambiente de mestre-discípulo. E ainda o é mais, tendo em conta que esta tentativa de conversão tinha lugar num sanatório, espaço para a cura de males físicos, mas adicionalmente também de manchas morais e comportamentais. O contexto sanatorial estava programado para regenerar cidadãos, devolvendo-os purificados à sociedade, prontos para pugnar por uma vida sanitariamente responsável e espiritualmente imaculada.

De um ponto de vista estritamente político-sanitário, a estratégia de “isolamento dos perigosos”, em conjunto com a “auto-governação higiénica”,17 constituíam o binómio físico-psicológico ao qual eram submetidos os indivíduos internados. Numa perspectiva igualmente abrangente, e mediante a vontade expressa de realizar “sobretudo Política Sanitária, de Assistência e de Saúde”,18 Bissaya Barreto deixava clara a raiz da sua ação: a efetivação de uma visão eugénica, com a responsabilização dos indivíduos perante a sua descendência.

Fig 5.

Sanatório feminino de Coimbra (edifício e jardim). Fundação Calouste Gulbenkian, Fundo Gulbenkian, Espólio Mário Novais.

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Fig 6.

Sanatório masculino de Coimbra (edifício e jardim). Fundação Calouste Gulbenkian, Fundo Gulbenkian, Espólio Mário Novais.

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Fig 7.

Sanatório masculino de Coimbra (auditório). Fundação Calouste Gulbenkian, Fundo Gulbenkian, Espólio Mário Novais.

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Fig 8.

Sanatório masculino de Coimbra (terraço). Fundação Calouste Gulbenkian, Fundo Gulbenkian, Espólio Mário Novais.

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Deixemos claro que a interpretação que o médico retirava deste conceito não incluía ideias de “selecção espartana, eutanásia e outras práticas criminosas como é manifesto nas reflexões haeckelianas”.19 A prática do eugenismo era, sim, elogiada como um “notável e moderno ramo de ciências biológicas”,20 sendo que a sua “dimensão positiva”,21 de inspiração francesa, foi assumida nos meios científico-sociais portugueses22 focando-se mais nos fatores externos (higiene, meio ambiente, educação) do que nos internos (genética, hereditariedade).23 No entanto, as premissas da visão de Bissaya Barreto previam um plano evolutivo e um projecto concebido em rede, através de mecanismos sistémicos de exercício de poder, e de um apurado e eficaz controlo levado a cabo por estratégias de panoptismo social. Segundo este desígnio, edifícios e indivíduos deviam progredir em conjunto, confundindo-se as fronteiras entre cenários e atores.

Fig 9.

Capa do n° 12, de Junho de 1931, do jornal A Saúde, editado e distribuído gratuitamente pela Junta Geral do Distrito de Coimbra. Fundação Bissaya Barreto, Centro de Documentação da FBB.

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É precisamente no âmago desta correlação que surge a película Rumo à vida,24 onde a incorporação de tal visão é particularmente evidente. Sendo uma curta fita, revelou-se uma síntese25 no seio das muitas vertentes propagandísticas utilizadas por Bissaya Barreto, que também recorria frequentemente a artigos de jornal, publicações de autor, cartazes, brochuras ou até à rádio.26

Com base nas anunciadas intenções do regime de Salazar no sentido da “conversão de um país”, da sua “reconstrução” e da “reconquista da ordem” (Torgal 2000, 67),27 era “oportuno fazer um documentário da Obra de Assistência à Mãe e à Criança e da Profilaxia da Tuberculose, que o Estado Novo levou a cabo em Coimbra”.28 Em 1937, iniciaram-se as diligências nesse sentido, só terminando, em 1950, com a estreia do filme.29 De subtítulo A Obra de assistência na Beira Litoral, tinha como pressuposto absolutamente perceptível a vontade de afirmar esta “obra” como um caso de estudo, na consubstanciação de uma região-piloto apoiada pela Ditadura. O objetivo eminentemente político do filme era defender e difundir um modelo de atuação, apresentando o enunciado de um plano, não textualmente, mas através do pleno funcionamento de uma realidade regional que, pretendia-se, fosse extensível ao restante território.

Tendo pouco mais de 15 minutos, o filme foi realizado por João Mendes, cineasta lisboeta, e teve argumento de Henrique Galvão.30 Uma assistente visitadora formada na Escola Normal Social de Coimbra31 era a sua intérprete principal.32 Segundo a locução, esta estava “apta a timonar, com rumo à vida, os náufragos da desventura”, desde o casebre onde habita uma família que serve de exemplo a muitas outras “em risco”, ao integrar a rede de estabelecimentos impulsionada pelo médico.

Fig 10.

Sanatório masculino de Coimbra (galeria de cura). Fundação Bissaya Barreto, Centro de Documentação da FBB.

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É revelador o importante papel da arquitetura, enquanto cenário ativo de Rumo à Vida. A paisagem constante do caminho a percorrer pelas novas gerações de cidadãos saudáveis — fisicamente úteis e moralmente sãos — eram os estabelecimentos construídos pela Junta de Província da Beira Litoral. A arquitetura era apresentada de forma categórica, no sentido de corroborar a perenidade de uma obra que se queria operativa, transformadora e não apenas idealizada ou planificada.

Na filmagem dos edifícios, enaltecidos pela sua imponência, asseio e funcionalidade, eram igualmente destacados os seus interiores e exteriores. Esta relação dicotómica, presente desde as visões higienistas do século XIX, era valorizada e atravessava certas passagens do filme, obedecendo a uma visão absolutamente seminal no pensamento de Bissaya Barreto: a capacidade da arquitetura para “devolver à saúde”. Em determinadas sequências era enaltecida a efetivação de uma renovada esperança providenciada aos internados (representada pelo exterior, enquanto desejo futuro), em contraponto à da doença que ali os levara (expressa no interior, enquanto realidade presente). Ora, esta evolução era consubstanciada pelos edifícios e dependia diretamente destes, autênticas máquina33 de curar e de (re)educar.

Todo o encadeamento narrativo do filme reforçava a ideia de um verdadeiro mecanismo redentor, de um dispositivo de cura que era diariamente posto em prática. Cada uma das pessoas que entrava naquela engrenagem sanitária, corporizada na arquitetura daqueles edifícios, era processada, reprogramada e restituída à sociedade, após passar por uma espécie de linha de montagem reparadora.

Em suma, tal como no Sanatório Internacional Berghof, na “montanha mágica” de Davos-Platz, também o filme Rumo à Vida se propunha a relatar uma redenção física, acompanhada por uma regeneração espiritual e moral, tendo sempre a arquitetura como elemento ativo.

Esta concepção pode-se resumir, precisamente, através de uma das sequências finais da referida película, num momento em que o realizador busca um claro dramatismo visual, de uma “simplicidade quase religiosa”, como descreve o narrador. A cena dá-se quando o casal que o filme aborda, sai pela porta principal do sanatório masculino, de braço dado, sob a cruz de Lorena,34 remetendo para o imaginário de um novo casamento e simbolizando, assim, uma nova vida. Mais uma vez, aqui, os edifícios idealizados por Bissaya Barreto eram mais do que o simples cenário da ação. Estes sublinhavam e potenciavam a analogia interior-exterior, levada ao seu limite, funcionando naquele instante as portas do edifício, como as mãos que ofereciam ao mundo, dois corpos e duas almas refeitas.

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Notes

[1] O momento marcante neste desenvolvimento médico foi a descoberta do bacilo tuberculoso, por Robert Koch, em 1882, o que lhe valeu a atribuição do Prémio Nobel, em 1905. Em 1930, o suíço Auguste Rollier, autor de La cure de soleil (1914), foi nomeado para esse mesmo galardão pelos seus estudos no uso da helio-terapia na tuberculose externa e, no ano anterior, Oskar Bernhard fora distinguido igualmente com uma nome-ação. No nosso país, já em 1911, Joaquim Gomes Ferreira Alves escrevia A heliotherapia no tratamento da tuberculose cirúrgica, a sua dissertação de doutoramento apresentada à Faculdade de Medicina do Porto, surgindo quatro anos depois a de Bissaya Barreto, O sol em cirurgia.

[2] Relembrem-se as palavras de Beatriz Colomina: “arquitectura do início do século XX não pode ser entendida fora do contexto da tuberculose. […] A arquitectura do século XIX foi diabolizada, como insalubre, e o sol, a luz, a ventilação, o exercício, os terraços no telhado, a higiene e a brancura eram oferecidos como meios que preveniam, quando não curavam, a tuberculose”. Colomina, “Dupla exposição: uma arquitectura de raios X”, 23.

[3] São muitos os casos de artistas que sofreram ou morreram com tuberculose, alguns ainda jovens, tornando-se de alguma forma este “o meio preferido de dar um sentido à morte — uma doença edificante, refinada”. Sontag, A doença como metáfora, 24.

[4] Realidade já documentada por autores como Paulo Providência e André Tavares, centrando-se também esses estudos em dois médicos com forte pendor construtivo, António Costa Simões e Joaquim Gomes Ferreira Alves.

[5] A abrir a primeira década, foram construídos o Sanatório de Sant’Ana, na Parede (Arq° Rosendo Carvalhei-ra); pouco depois, o Sanatório Sousa Martins, na Guarda (Arq° Raul Lino), e, em 1917, o Sanatório Maríti-mo do Norte (Arq° Francisco Oliveira Ferreira). Estes são alguns exemplos que evidenciavam a crença de vários promotores nas virtudes de tais edifícios e nas práticas médicas a eles associadas, no processo de luta contra a tuberculose óssea e pulmonar. No limiar entre os séculos XIX e XX, foram também criados organis-mos dedicados a esta doença, nomeadamente a Direção-geral de Saúde e de Beneficência Pública e a Assistên-cia Nacional aos Tuberculosos, e registaram-se diversos avanços científicos, apresentados, por exemplo, no Congresso Nacional de Tuberculose, realizado em Coimbra, em 1895, e, no Congresso Contra a Tuberculose, organizado pela Liga Nacional contra a Tuberculose, que decorreu nessa mesma cidade, em 1904, e onde foi feita a apologia de sanatórios de altitude e marítimos para a cura da tuberculose. Amaral, “Vivências educati-vas da tuberculose”, 18.

[6] Regime político encabeçado pelo seu amigo desde o tempo de estudante na Universidade de Coimbra, Antó-nio de Oliveira Salazar, de que foi consistentemente apoiante, apesar de manter uma consciência crítica em alguns aspectos, nomeadamente o do papel do Estado nos campos da assistência e da saúde.

[7] O presente texto surge no seguimento da nossa investigação de doutoramento, cuja tese “Arquitectura hospi-talar e assistencial promovida por Bissaya Barreto” foi apresentada à Universidade de Coimbra.

[8] Mann, A montanha mágica, 17. Leiam-se ainda as seguintes passagens: “A sala do restaurante era clara, elegante e confortável. Estava situada logo à direita do vestíbulo, antes dos salões”; “Parte do terraço estava cercada por uma sebe, para formar um jardim onde havia veredas ensaibradas, canteiros de flores e uma gruta artificial de rochedos, junto a um esplêndido abeto. Para sul abria-se um alpendre com telhado de zinco, onde se viam algumas espreguiçadeiras”; “A sala estava decorada com aquele gosto moderno que dá um cunho fantástico à mais simples das realidades. Circundava-a uma espécie de arcada, onde se viam aparadores e que se abria em amplos arcos para o interior, cheio de mesas. Os pilares, revestidos até meia altura de madeira a imitar sândalo, e dali para cima caiados, tal como a parte superior das paredes e o tecto, ostentavam faixas multicolores com motivos simples e alegres, que se repetiam nos vastos arcos da abóbada, pouco acentuada”. Mann, A montanha mágica, 19, 45, 50, respectivamente.

[9] Ibid., 13, 105 e 51, respectivamente.

[10] Na esteira da ideia burguesa de finais de Oitocentos da viagem-retiro, à montanha ou ao mar, onde a estra-tégia terapêutica era ainda direccionada particularmente a indivíduos e não, de forma abrangente, às popula-ções. Bashford, Imperial Hygiene, 64.

[11] Bashford, Imperial Hygiene, 70.

[12] Ibid., 70.

[13] Barreto, Uma obra social realizada em Coimbra, 139.

[14] Esta grelha sequencial e rigorosa era também uma característica das estruturas educativas ou militares, onde a obediência, a subordinação e o favorecimento do coletivo são encarados como fundamentais para o seu bom funcionamento. Defert, “Foucault, Space and Architects”, 278.

[15] “Que era um dia, contado, por exemplo, a partir do momento em que a gente se sentava para almoçar, até à repetição desse instante, vinte quatro horas depois? Nada — apesar de serem vinte e quatro horas. Mas, que era, afinal, uma hora, passada, por exemplo, no repouso obrigatório, num passeio ou numa refeição — enu-meração que esgotava, aproximadamente, as possibilidade de se passar essa unidade de tempo? Outra vez nada. O total desses nadas pesava pouco”. Mann, A montanha mágica, 300.

[16] Borges, “Loucos (nem sempre)”, 168.

[17] Bashford, Imperial Hygiene, 62. A tradução do original, em inglês, é de nossa responsabilidade.

[18] Ata da Sessão de 2/12/1938 do Conselho Provincial, fl. 20v.

[19] Ernst Haeckel (1834-1919). Pereira e Pita, “A ciência higiénica em Portugal”, 533

[20] Barreto, Uma obra social realizada en Coimbra, 772.

[21] Pereira e Pita, “A ciência higiénica em Portugal”, 534.

[22] Em defesa da qual, desde o último quartel do século XIX e no arranque do século seguinte, se destacaram nomes como Augusto Filipe Simões, António Maria de Sena, António de Azevedo Castelo-Branco, Júlio de Matos, Miguel Bombarda, Ferraz de Macedo, Roboredo Sampaio e Melo, Egas Moniz e Sobral Cid. Pereira e Pita, “A ciência higiénica em Portugal”, 544-568.

[23] Ibid., 537 e 538.

[24] Filme presente como anexo, numa versão digital em suporte DVD, em Sousa (1999).

[25] Recorde-se a importância que António Ferro reconhecia ao cinema, ao “seu poder de sedução” e à sua rele-vante “força de penetração”. Ferro, Entrevistas a Salazar, 44).

[26] Ainda no âmbito filmográfico, assinalam-se produções incluídas nas séries Jornal Português e, mais tarde, Imagens de Portugal, ambas da responsabilidade do SPN e SNI com apontamentos documentais que incluí-am o Portugal dos Pequenitos, o Hospital Sobral Cid, a Leprosaria Rovisco Pais, o Instituto Maternal de Coimbra e o Instituto de Surdos de Bencanta (para além de acontecimentos ligados à vida pessoal e empresa-rial de Bissaya Barreto), numa política subsidiada que visava à difusão sistematizada destas peças de carácter noticioso, projetadas nos cinemas, antes das longas-metragens (Paulo; Barcoso).

[27] Torgal, “Introdução”, 67.

[28] Acta da Sessão de 01/05/1944 da J.P.B.L., fl. 31v.

[29] Em sessão particular, no Teatro Avenida de Coimbra, a 6 de dezembro, tendo sido antes visionado pelo Ministro do Interior, Joaquim Trigo de Negreiros, em Lisboa, numa projeção privada.

[30] Capitão do exército e amigo do médico, foi uma figura polémica, inicialmente apoiante da Ditadura, parti-cipando nomeadamente na direção de exposições e publicações e, mais tarde, chegando a ser um dos mentores do assalto ao paquete D. Maria, em 1961.

[31] Instituição criada, por Bissaya Barreto, no ano de 1937, em Coimbra, destinava-se à formação de assisten-tes sociais e puericultoras.

[32] Papel desempenhado pela única atriz do filme, Helena Félix, sendo os restantes figurantes utentes dos pró-prios estabelecimentos. Bissaya Barreto surge no arranque da película, lendo uma breve introdução.

[33] Recorde-se que o conceito de edifício-máquina tem especial relevância no período primordial e mais radical do Movimento Moderno, cristalizado por Le Corbusier, em Vers une architecture, em 1923, e que este acom-panhou a especialização programática que ocorreu na arquitetura da saúde, onde o paradigma era o sanatório antituberculoso, autêntico edifícioritual da transição entre séculos. Para tal, concorreram decisivamente as estratégias político-sanitárias desenvolvidas no século XVIII, dissecadas por Michel Foucault em Vigiar e punir e que tomaram como arquétipo o edifício panóptico, de Jeremy Bentham publicado em Panopticon or The Inspection House, de 1791.

[34] Símbolo da tuberculose.