A inserção da mulher no meio urbano pode ser considerada um avanço pela conquista por mais espaço e pela inserção no fluxo produtivo da sociedade contemporânea. A história das mulheres deixa clara a luta constante pelo direito à emancipação política e pelo direito à cidadania. Porém, essa inserção ainda se dá de forma desigual em pleno século XXI para a maioria das mulheres, uma vez que as cidades se desenvolveram sem a participação delas no debate das políticas públicas e urbanas.
Mas, afinal, por que é necessário inserir a perspectiva de gênero no planejamento das cidades? Por várias razões. A primeira delas é a importância de considerar os diferentes papéis, particularidades e necessidades que homens e mulheres desempenham ao desenvolverem suas vidas na cidade. Reconhecendo essas particularidades, é possível propor soluções e políticas públicas que permitam acesso mais igualitário às oportunidades.
A perspectiva de gênero aplicado ao urbanismo significa colocar iguais condições às exigências decorrentes do mundo produtivo e reprodutivo, que significa o cuidado diário que as pessoas precisam. Os dois mundos têm que estar ao mesmo nível de importância para evitar a expansão ou a manutenção de diferenças.1 Assim, Muxi, Casanovas y Ciacoletto defendem que a cidade pensada na perspectiva de gênero precisa garantir a mistura, o acesso e a sobreposição das funções para facilitar o desenvolvimento da vida cotidiana, considerando a diversidade de usuários e a diversidade de momentos de utilização. Nesse sentido, define-se que a perspectiva de gênero aplicada ao urbanismo é entendida a partir da experiência, e, portanto, pressupõe uma atuação mais próxima do usuário e conectada com ele.
Além de compreender a dimensão metodológica do urbanismo de gênero, cabe discutir sua demanda política como modelo pautado na participação e divisão de poder. É a partir desse conjunto de questões envolvidas pela tríade mulher-cidade-desenvolvimento que a construção deste trabalho se fez, com a finalidade de contribuir com a reflexão acerca da participação das mulheres e sua relação com as transformações urbanísticas.
O fato é que as mulheres estão inseridas na luta pelas cidades, porém diversos trabalhos enfatizam que elas ainda ocupam uma posição secundária nessa questão. Um exemplo é o aumento da participação de lideranças femininas que atuam nos movimentos sociais, no entanto é baixa a participação das mulheres nos espaços de decisão política na esfera executiva e legislativa.
Dessa forma, é necessária uma reflexão crítica acerca da prática da arquitetura e do urbanismo na construção do modelo atual de cidade e sua capacidade de incluir a todos. Como afirma o arquiteto espanhol e professor da Escola Técnica de Ensino Superior de Barcelona, Josep Maria Montaner, atualmente a estrutura urbana se mantém e se transforma com prioridade para atender a demanda do capital e as prioridades masculinas, considerando que a cidade é desenhada para atender o fluxo dos homens, em idade média, no auge de sua capacidade produtiva, com trabalho estável e bem remunerado que lhe permite ter carro, deixando as demandas das mulheres, jovens, idosos, crianças e deficientes físicos à margem das prioridades do investimento público.2
Diante dessa problemática levantada, uma hipótese pode ser iniciada ao considerar a invisibilidade histórica que envolveu a participação da mulher na construção do território e a possibilidade de essa realidade ser revisada, permitindo que se lance uma nova construção, pautada na visibilidade e protagonismo da mulher em defesa de suas demandas na cidade.
Trata-se de um modelo de desenvolvimento que precisa ser revisto com base nos dados levantados em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, os quais apontam que a população brasileira se constitui em sua maioria de mulheres. Outro dado importante é o aumento de 38,6% de famílias que possuem a mulher como responsável pelo seu provento. Esse número se altera para 39,3% quando as famílias vivem em área urbana e diminui para 24,8% para famílias que vivem em área rural. Diante desses fatos, percebe-se como o papel da mulher se altera diante das mudanças de representatividade social e influência econômica.
Dessa forma, a tensão aumenta e piora a condição da mulher, uma vez que as mulheres acumulam a segregação de classe social e a segregação por sexo. Diante disso, reforça-se a necessidade de tomada de consciência dessa vulnerabilidade e a importância de se organizar, enquanto força política, para ter condições de ocupar espaços políticos e participar da gestão das cidades.
A busca por alternativas para o desenvolvimento urbano e novos modos de usar a cidade e participar dela é o desafio que se coloca, pois mesmo com o Estatuto da Cidade,3 no Brasil, são poucos os municípios que conseguiram incluir de forma estratégica a questão de gênero em suas políticas urbanas. Já que a maioria dos municípios brasileiros ainda tem suas políticas urbanas como uma representação ideológica que não reflete a demanda da cidade real, sua diversidade de classes sociais, gênero, cores, faixas etárias, orientação sexual e necessidades físicas especiais.4
Diante dessa realidade, este trabalho traz como tema o desenvolvimento urbano pautado na experiência, percepção e demandas das mulheres na cidade de Blumenau.5 Para a realização desta pesquisa, a seguinte pergunta orienta o trabalho: atualmente, quais são as demandas e percepções acerca da cidade de Blumenau pela ótica da mulher?
Como objetivo, buscou-se identificar e promover uma reflexão sobre a inclusão das necessidades das mulheres na pauta de discussão sobre o desenvolvimento urbano de Blumenau, além de debater as possibilidades de construção de uma nova cultura para o habitar na cidade contemporânea. Tendo como enfoque a participação e interação das mulheres com suas experiências no cotidiano da cidade, considerando a vida doméstica, trabalho, lazer, relações públicas e privadas, para promover uma análise da dimensão humana no território.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa feita com o intuito de conhecer o funcionamento dos lugares da cidade que trazem uma compreensão do espaço urbano através da perspectiva das mulheres. Dessa forma, a pesquisa qualitativa permitiu extrair desse convívio os significados latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível.6
Nessa perspectiva, a pesquisa aplicada esteve pautada na subjetividade, na experiência, no afeto e nas relações cotidianas dessas mulheres com Blumenau:
O olhar da experiência da mulher sobre a cidade construída tende a uma adequação do entorno construído a fim de melhorar a igualdade de oportunidades no uso e no aproveitamento. [...] isso implica tornar visível as necessidades de todos aqueles que não são levados em consideração pelo pensamento dominante.7
Essa afirmação de Montaner nos trouxe a necessidade de se pensar a cidade sob a ótica da mulher como alternativa de incluir a todos. Com isso, tem-se uma ideia de desenvolvimento regional na perspectiva da inclusão dos sujeitos no processo de construção das cidades através de um urbanismo que seja capaz de trazer luz à diversidade e valorizar a participação social. Nessa perspectiva, a chave para a transformação do espaço está na abertura às demandas sociais e ter como objetivo os valores da igualdade, da diversidade e da participação cidadã.
A metodologia aplicada neste trabalho, bem como seu resultado e análise, se deu-se através de um exercício para atingir o objetivo de levantar a percepção, demandas e reflexões sobre a mulher e seu direito à cidade, e tomou como base a metodologia desenvolvida por Adriana Ciacoletto em seu livro Espacios para la vida cotidiana: auditoria de calidad urbana com perspectiva de gênero, que tem como finalidade incorporar a perspectiva de gênero a partir da experiência das mulheres ao vivenciarem a cidade em suas atividades cotidianas.
Essa metodologia se posiciona com base no pensamento feminista, o que permitiu perceber a aplicação transversal da perspectiva de gênero nas análises urbanas, tanto para detectar o funcionamento e eficiência do espaço como para sua aplicação como estratégia de gestão urbana e definição de políticas públicas. Assim, possibilitou a construção de indicadores de qualidade urbana para subsidiar as decisões de intervenção no espaço urbano e a execução das políticas de gênero no urbanismo, além de atender à necessidade de avaliar as transformações urbanas e seu impacto sobre a realidade social, o que possibilita a construção de um ambiente mais humano, tendo em conta a diversidade das necessidades das mulheres através de uma abordagem que contribui para a sustentabilidade social e ambiental da cidade. A metodologia indicada pela autora apresenta-se em três etapas: 1) diagnóstico participativo, 2) avaliação do espaço urbano e 3) avaliação da gestão urbana.
Para este trabalho, como o objetivo é levantar a percepção das mulheres em relação ao seu direito à cidade, a metodologia não foi aplicada em sua integralidade; assim, foram utilizadas algumas ferramentas sugeridas na etapa do diagnóstico participativo.
O diagnóstico participativo corresponde à primeira fase do processo de leitura da realidade, em que se obtêm os dados junto às pessoas para a avaliação dos espaços, incluindo aspectos físicos, sociais e funcionais. Nesse caso, utilizando-se de metodologias qualitativas, a partir da perspectiva de gênero, para determinar em que condições se desenvolve a vida cotidiana das mulheres no espaço estudado.
Essas ferramentas podem ser aplicadas para diferentes fins, por exemplo, pedagogicamente, como material de treinamento e capacitação da comunidade, ou também podem ser utilizadas como ferramentas analíticas e de avaliação em fase de planejamento. Podem ser usadas tanto pela comunidade quanto por profissionais e técnicos ligados a um projeto urbanístico específico, que queiram verificar o impacto em diferentes grupos sociais. As etapas sugeridas por Ciacoletto para realizar o diagnóstico participativo são: 1) percurso de reconhecimento, 2) observação participante, 3) dinâmicas participativas e 4) entrevistas.
Cabe ressaltar que o recorte espacial definido para este trabalho envolveu o território da cidade de Blumenau como um todo, confrontando as diversas realidades socioespaciais em que vivem os grupos de mulheres participantes. O objetivo é ter uma percepção geral das mulheres em relação ao seu direito à cidade.
Dessa forma, a ferramenta escolhida para ser apresentada neste artigo foram as dinâmicas participativas, que são um conjunto de atividades que se desenvolvem a partir da colaboração do usuário da cidade, com o objetivo de saber, a partir de seus comportamentos, hábitos e necessidades, como se dá a experiência do usuário em relação ao funcionamento dos espaços da cidade.
Essa etapa ocorreu utilizando a ferramenta do World Café, a qual se trata de uma dinâmica que possibilita gerar insights, registros verbais, escritos e mapas sobre a questão-problema, tendo como foco descobrir e gerar conhecimento coletivo.
Todos os encontros seguiram a mesma estrutura; assim, coube detalhar as etapas dos encontros como padrão para todos os grupos que participaram da pesquisa. Um roteiro foi entregue para cada grupo e contou com uma breve introdução para o exercício, destacando o objetivo de discutir coletivamente os direitos das mulheres à cidade na condição de usuárias, bem como perceber quais são as principais demandas para o desenvolvimento da rotina cotidiana e quais contribuições trariam para o planejamento urbano da cidade de Blumenau. No texto do roteiro, fica claro o objetivo do conteúdo do encontro para a construção da Carta das Mulheres para a Cidade de Blumenau.
Sobre a condução do exercício, foram elaboradas três perguntas com uma média 15 a 20 minutos de diálogo cada. Somados ao tempo de introdução e fechamento das discussões, os encontros tiveram em média uma hora e meia de duração. Desse modo, as perguntas que nortearam os diálogos foram as seguintes:
Blumenau atende a seu direito à cidade? Identificar as principais limitações que impedem as mulheres de exercerem seu direito à cidadania, à qualidade de vida e à emancipação.
Considerando a rotina do seu dia a dia, como você solucionaria os principais problemas levantados na questão anterior? Identifique, por ordem de prioridade, quais questões devem estar na carta das mulheres para cidade.
Quais alternativas e soluções as mulheres incluiriam no planejamento da cidade?
Por fim, cabe mencionar que os diálogos foram gravados e registrados a partir da escrita coletiva. Esses relatos foram todos transcritos para serem analisados posteriormente aos encontros.
Assim, a pesquisa foi estruturada a partir da participação de 55 mulheres da cidade de Blumenau, divididas em dois grupos de mulheres, com realidades socioeconômicas e vivências espaciais distintas. A faixa etária de participação foi de mulheres entre 23 e 70 anos, donas de casas, operárias, servidoras públicas e estudantes. Dessa forma, foram realizados seis encontros com moradoras de quatro bairros periféricos da cidade de Blumenau: Bairro Progresso, Itoupavazinha, Passo Manso e Garcia, incluindo os condomínios residenciais do Programa de Habitação Social “Minha Casa Minha Vida”, e participantes de movimentos e coletivos de mulheres de Blumenau.
A partir dos resultados e desdobramentos desencadeados nos encontros com as mulheres que participaram da pesquisa, foi possível sistematizar as principais demandas levantadas, tendo como resultado o documento Carta das mulheres para a cidade de Blumenau, que foi lida e protocolada durante a realização da sexta Conferência Municipal das Cidades, realizada em 4 de junho de 2016, na cidade de Blumenau. Esse encontro trouxe como lema central “Cidades inclusivas, participativas e socialmente justas” e teve como objetivo identificar os problemas enfrentados na cidade, bem como buscar, de forma participativa, soluções para ampliar e garantir o direito à função social da propriedade e garantir a qualidade de vida nas cidades. Nesse evento, o conteúdo da carta foi debatido e protocolado para ser encaminhado para o processo de revisão do Plano Diretor de Blumenau.
Cabe ressaltar que Blumenau tem seus espaços de participação nos encontros de consulta pública para a revisão do Plano Diretor, que é realizada a cada dez anos e nos encontros mensais dos conselhos consultivos da cidade, como conselho de saúde, educação entre outros. As mulheres participam, porém não se tem registro do foco do debate de gênero como pauta específica em nenhuma dessas arenas de participação. As temáticas debatidas seguem o padrão das pautas universais de planejamento urbano.
Ao finalizar a análise das falas das mulheres que participaram dos encontros do World Café, foi possível perceber uma repetição pela demanda da segurança, mobilidade, equipamentos públicos que atendam à demanda da família e a necessidade de melhoria dos espaços de relação onde a vida cotidiana acontece. São demandas que, ao serem comparadas com os relatos analisados nos estudos de Zaida Muxi e Terezinha Gonzaga, de uma maneira geral, se unificam pelas mesmas reivindicações e se apresentam alinhadas com os conceitos sugeridos ao estudar a metodologia desenvolvida por Ciacoletto.
É possível concluir que o entendimento sobre essa questão se amplia sobre o universo da cidade, apresentando-se como um caminho transversal para a aplicação de políticas públicas que buscam atender à diversidade e à melhoria da qualidade de vida da sociedade. Tal fato demonstra que as demandas das mulheres no planejamento urbano não implicam fazer uma cidade especializada unicamente para as mulheres, excluindo o lugar e a demanda dos outros cidadãos, mas sim afirmar uma perspectiva que representa uma nova abordagem de inclusão, do olhar, da opinião, da percepção e da contribuição das mulheres na construção da cidade contemporânea, trazendo assim uma nova dimensão ao desenvolvimento da cidade e da sociedade.
Diante desse contexto, a Carta das mulheres para a cidade de Blumenau reuniu e sintetizou a fala dessas mulheres que realizaram o exercício sugerido pela pesquisa, que, mesmo sendo uma exploração inicial, reflete um recorte da realidade e exprime a percepção dessas mulheres sobre seu direito à cidade. Ao elegerem como temas prioritários a necessidade de mais participação das mulheres no cenário político, segurança pública, mobilidade, rede de equipamentos públicos e habitação, trouxeram luz para esses temas, explorando todas as suas especificidades com o propósito de resolver as questões cotidianas que influenciam suas vidas como usuárias da cidade.
Esse exercício trouxe à tona a importância da expressão, da fala e da participação das mulheres no contexto da construção do território como caminho para uma nova relação de igualdade e de acesso aos direitos das mulheres, e apontou a necessidade do aprofundamento em busca de alternativas para o fomento da participação delas no contexto da construção da cidade. Dessa forma, faz-se fundamental o aprimoramento dos processos de sensibilização, engajamento e fortalecimento dos movimentos sociais ancorados no conceito da participação cidadã.
Assim, cabe resgatar a fala de Muxi,8 para quem o objetivo do projeto urbano com perspectiva de gênero é melhorar a condição de vida, assim não há problema ou necessidade que seja considerada menor que não deve ser atendida. Diante desse pensamento, o conteúdo da Carta traz a urgência de se inserir na pauta da construção da cidade contemporânea as demandas relativas às atividades da reprodução, e com isso colocá-las em pé de igualdade como critério para a tomada de decisões estratégicas para o desenvolvimento das cidades. Para ilustrar, cabe resgatar algumas questões sinalizadas na Carta, como a necessidade de rever a lógica de mobilidade da cidade, disponibilizando alternativas de rotas e horários para o transporte público para atender à demanda das pessoas que necessitam utilizar os equipamentos públicos ao longo do dia, fora do fluxo produtivo, e, com isso, atender às necessidades dos estudantes, mulheres, crianças e idosos para que possam circular na cidade com mais segurança e acessibilidade.
Além disso, há a necessidade de se criarem projetos que garantam a qualidade e segurança dos espaços de relação, pois são nos trajetos entre os equipamentos da cidade que as atividades da vida cotidiana acontecem. Por essa razão, cabe solucionar a falta de banheiros públicos e bebedouros, a questão dos terrenos baldios, a falta de iluminação pública, a acessibilidade e arborização das calçadas e ciclovias, bem como a descentralização da rede de equipamentos públicos e serviços para que os deslocamentos sejam mais curtos e os bairros tenham maior diversidade e vitalidade. Comparando os estudos de Gonzaga e Muxi, pode-se afirmar que as demandas pelos espaços da cidade de Blumenau são semelhantes a outras cidades, com uma pauta comum no urbanismo de gênero a ser reenvindicada.
Essas são algumas das reivindicações que apontam a perspectiva de gênero para o desenvolvimento de políticas urbanas. Dessa forma, o debate sobre a necessidade de infraestrutura para si e para os filhos, como creches, escolas, espaços culturais, de lazer, esporte e segurança pode ser entendido como um arranjo estratégico para o processo de urbanização da cidade, e significa dar suporte ao direito à reprodução e autonomia da mulher para acessar a sua emancipação e cidadania. Santoro também afirma que criar regras que incluam as demandas das mulheres nas políticas territoriais significa incluir a todos.9
Outra questão-chave que aparece na Carta é a situação atual em que vivem as mulheres chefes de família nos Condomínios Minha Casa Minha Vida, em Blumenau. Os relatos revelam que por serem elas, em sua maioria, as responsáveis pelo sustento de suas famílias, as condições de desconexão com o fluxo das atividades da cidade, a relação direta com a violência, a falta de mobilidade e de opção para o lazer, refletem o que diz Muxi, que não se resolve a questão da habitação apenas disponibilizando o espaço da casa, para isso é preciso integrar a rede de equipamentos da cidade e, com isso, buscar condições para que a vida cotidiana aconteça.10
Hoje, nos dois condomínios estudados, os relatos apontam que esses espaços se encontram desarticulados com a rede da cidade, e os equipamentos públicos, como creches e postos de saúde próximos, não atendem à demanda criada nesses espaços. Essa situação exige dessas mulheres cuidadoras uma sobrecarga ainda maior para solucionar suas rotinas de assistência às suas famílias, acumulando, assim, as tarefas da reprodução e da produção ao tempo perdido pela da falta de acesso.
Assim, é possível concluir que a busca pelo exercício pleno da cidadania, tendo como aplicação real o cotidiano da vida das mulheres, pressupõe um caminho de feminilização dos conceitos de planejamento e das práticas das políticas públicas. Significa que as mulheres possam alcançar o direito de circular com segurança, acessar todos os lugares que desejarem, dispor de equipamentos públicos que atendam às demandas oriundas das atividades com a reprodução, ter espaço para empreendedorismo e participação política. E, assim, ver diluídos os limites que determinam o vínculo da mulher com o espaço privado e ampliar sua condição de ser parte do espaço público e político da cidade. Com a criação de infraestruturas sociais de apoio às mulheres, atende-se também à família; isso significa avançar no entendimento do planejamento universal e mergulhar nas especificidades dos usuários da cidade.