
Habitando mundos humanos-não humanos no complexo santería-ifá: relações ambientais e fluxos diaspóricos Colômbia-Cuba-México*
Luis Carlos Castro Ramírez**
Universidad de los Andes (Colômbia)
Naturaleza y Sociedad. Desafíos Medioambientales • número 3 • maio-agosto 2022 • pp. 112-156
https://doi.org/10.53010/nys3.06
Recebido: 11 de agosto de 2022 | Aceito: 26 de agosto de 2022
Resumo. As conexões entre humanos e natureza são um eixo fundamental da práxis dentro das religiões de inspiração afro. Em sistemas religiosos afrodiaspóricos, como os complexos santería-ifá, palo monte, vodou, candomblé, espiritismo cruzao, entre outros, o mundo natural é habitado e governado por entidades divinizadas: orichas, mpungos, loas, orixás ou outros seres espirituais. Nesse sentido, o ser pessoa é entendido na rede de relações com os mundos social, natural e transcendental. O equilíbrio do mundo fenomênico que habitamos, sua manutenção, perda ou reestabelecimento se encontra em dependência de como os vínculos entre os mundos são desenvolvidos e enfrentados. Assim, o objetivo deste artigo é compreender o modo no qual as/os praticantes de religiões afro-cubanas na diáspora — principalmente de santería-ifá — se relacionam com o meio ambiente enquanto lugar sagrado da vida cotidiana. Para isso, este artigo utiliza uma abordagem etnográfica e narrativa. A informação apresentada é originada do trabalho de campo realizado entre 2012 e 2022, em especial em Havana (Cuba), Bogotá e Cali (Colômbia). Este texto contribui para compreender as religiões de inspiração afro em suas segundas diásporas, analisar as tensões produzidas em sua inserção e reacomodação nos novos lugares de acolhimento, bem como entender essas espiritualidades com discussões sobre o meio ambiente, as quais não vêm sendo suficientemente tratadas nas Ciências Sociais e Humanas.
Palavras-chave: abertura ontológica, conflitos socioambientais, meio ambiente, natureza, ontologia, religiões diaspóricas, religiões de inspiração afro, santería cubana, ser pessoa (pessoidade).
Habitar mundos humanos-no-humanos en el complejo santería-ifá: relacionamientos medioambientales y flujos diaspóricos Colombia-Cuba-México
Resumen. Las conexiones humanos-naturaleza son un eje fundamental de la praxis dentro de las religiones de inspiración afro. En sistemas religiosos afrodiaspóricos como los complejos santería-ifá, palo monte, vodou, candomblé, espiritismo cruzao, entre otros, el mundo natural es habitado y gobernado por entidades divinizadas, llámense estas orichas, mpungos, loas, orixás u otros seres espirituales. Por esa vía, el ser persona es entendido en el entramado de las relaciones con los mundos social, natural y trascendente. El equilibrio del mundo fenoménico que habitamos, su mantenimiento, pérdida o restablecimiento se encuentran en dependencia de cómo se desenvuelvan y se afronten los vínculos entre mundos. Así, el objetivo del artículo es comprender el modo en que las/los practicantes de religiones afrocubanas en la diáspora —principalmente de santería-ifá— se relacionan con el medioambiente en tanto ámbito sagrado de la vida cotidiana. Para tal propósito, el artículo se aproxima desde un enfoque etnográfico y narrativo; la información presentada se origina en el trabajo de campo realizado entre 2012 y 2022, en especial en La Habana (Cuba), Bogotá y Cali (Colombia). El texto aporta a la comprensión de las religiones de inspiración afro en sus segundas diásporas, al análisis de las tensiones producidas en su inserción y reacomodamiento en los nuevos lugares de acogida, y al entendimiento de estas espiritualidades con discusiones acerca del medioambiente, las cuales no han sido suficientemente tratadas desde las ciencias sociales y humanas.
Palabras clave: apertura ontológica, conflictos socioambientales, medioambiente, naturaleza, ontología, personeidad, religiones diaspóricas, religiones de inspiración afro, santería cubana.
Inhabiting human-non-human worlds in the Santeria-Ifá religious complex: Environmental relations and Colombia-Cuba-Mexico diasporic flows
Abstract. Human-nature connections are a fundamental axis of praxis within Afro-inspired religions. In Afrodiasporic religious systems, such as the Santeria-Ifá, Palo Monte, Vodou, Candomblé, “espiritismo cruzao” (mixed spiritualism) religious complexes, among others, the natural world is inhabited and governed by divinized entities, be they called orichas, mpungos, loas, orixás, or other spiritual beings. Thus, being a person is understood in the framework of relations with the social, natural, and transcendent worlds. The balance of the phenomenal world we inhabit, and its maintenance, loss, or restoration, depends on how the links between worlds unfold and are faced. Therefore, this article aims to understand the way in which practitioners of Afro-Cuban religions in the diaspora—mainly Santeria-Ifá—relate to the environment as a sacred area of daily life. To this end, the article uses an ethnographic and narrative approach; the information presented originates from fieldwork carried out between 2012 and 2022, especially in Havana (Cuba), Bogotá, and Cali (Colombia). The text contributes to understanding Afro-inspired religions in their second diasporas, to the analysis of the tensions produced in their insertion and rearrangement in new places of reception, and to the comprehension of these spiritualities based on discussions about the environment, which have not been sufficiently treated by the social and human sciences.
Keywords: Afro-inspired religions, Cuban Santeria, diasporic religions, environment, nature, ontological openings, ontology, personhood, socio-environmental conflicts.
Gerador da vida, “somos filhos do mato porque a vida começou nele; os santos nascem do mato e a nossa religião nasce também do mato [...]”. Ali, existem os orichas Elegguá, Oggún, Ochosi, Oko, Ayé, Changó, Allágguna, e os eggun Eléko, Ikús, Ibbayés... Está cheio de defuntos! Os mortos vão para o mato […] “Não há santo — oricha — sem Ewe” nem Nganga, Nkiso e feitiço sem Vititi Nfinda. Árvores e plantas são seres dotados de alma, inteligência e vontade, como tudo o que nasce, cresce e vive sob o sol — como toda manifestação da natureza, como tudo o que existe.
Cabrera (1954/2006, pp. 19-22; tradução livre)
Um exórdio necessário: orichas, mpungos e outras espiritualidades diaspóricas
As religiões de inspiração afro (ver Castro Ramírez, 2022; Ochoa, 2004) de Cuba, como a santería-ifá (ocha-ifá)1, o palo monte — em suas variantes mayombe e vriyumba—, o espiritismo “cruzao” e o vodu cubano, começaram a surgir na Colômbia há aproximadamente quatro décadas como resultado de dinâmicas diaspóricas e da transnacionalização, embora sua consolidação como sistemas religiosos autossustentáveis e autorregulados só tenha sido possível a partir de meados dos anos 2000 (Castro Ramírez, 2010, 2015, 2016a, 2016b e 2022; Castro Ramírez e Kerestetzi, 2021; Meza Álvarez, 2019; Ortiz Martínez e Castro Ramírez, 2014). Ou seja, a consolidação dessas práticas em suas segundas diásporas (Frigerio, 2004)2, com todo o seu aparato ritual, com um corpus completo de especialistas religiosos, a consolidação das famílias-casas religiosas e seu rearranjo no país que possibilitem a reprodução social e iniciática dessa tradição cubana, começou há pouco mais de 20 anos.
Neste artigo, vou me concentrar principalmente no complexo santería-ifá3. Para avançar no objetivo de compreender a forma como os/as praticantes4 das religiões afro-cubanas na diáspora se relacionam com o meio ambiente como área sagrada da vida cotidiana, explicarei brevemente a origem dessa prática e os fundamentos de sua práxis religiosa. A regla santería-ifá é um sistema religioso que se originou em Cuba no século 16, a partir do encontro colonial dos sistemas de referência africano, espanhol, indígena e francês; no entanto, esse complexo religioso como o conhecemos hoje terminaria sua consolidação no final do século 19 e início do século 20 (ver Barnet, 1995; Cabrera, 1954/2006; Castro Ramírez, 2010; Fernández Olmos e Paravisini-Gebert, 2003; Matibag, 1996).
A santería é um sistema religioso produto de uma dinâmica sincrética (ver Bastide, 1969), cujo principal substrato cultural africano é o iorubá articulado com o catolicismo popular, com as crenças indígenas cubanas e com o espiritismo kardecista (Barnet, 1995; Cabrera, 1954/2006; Castro Ramírez, 2008 e 2010; Fernández Olmos e Paravisini-Gebert, 2003; James Figarola, 2001; Matibag, 1996; Menéndez, 2002). Contudo, é importante ressaltar que, embora eu aponte que a santería tenha se consolidado no início do século 20, isso não significa uma espécie de cristalização. Esses sistemas religiosos de inspiração afro são caracterizados por seu enorme grau de plasticidade, ou seja, de se reinventar, como consequência de sua dinâmica diaspórica e transnacional. A saída de seu lugar de origem e seu reassentamento nos novos locais de origem — a que me refiro como suas segundas diásporas, seguindo o argumento de Frigerio (2004) — necessariamente produzem tensões com outros sistemas de referência e com as sociedades receptoras, e isso implica renegociações permanentes, da mesma forma que lhes permite absorver elementos de outras práticas, desde que isso contribua para o aumento do poder em sua práxis.
Dos sistemas religiosos de inspiração afro provenientes de Cuba, a santería-ifá é o que possui maior prestígio e visibilidade. Sua prática religiosa fundamenta-se no culto aos orichas, entidades divinizadas associadas às forças da natureza, que atuam como ponte de comunicação entre os seres humanos e a deidade suprema (Olofi, Olodumare, Olorún [Figura 1]). O culto aos eggun (espíritos dos mortos, ancestrais) constitui uma dimensão central do sistema (Figura 2). A expressão dos praticantes “Iku lobi ocha” — “o morto deu à luz o santo” ou talvez mais precisamente “a morte deu à luz o santo” — evidencia o lugar fundamental que os eggun ocupam nesse contexto: nada deve ser realizado sem que a eles seja oferecido o conhecimento apropriado (Barnet, 1995; Cabrera, 1954/2006; Castro Ramírez, 2008 e 2010; Fernández Olmos e Paravisini-Gebert, 2003).

Figura 1. Elegguá, oricha das encruzilhadas. Fonte: elaboração própria. Bogotá (Colômbia), 2016.

Figura 2. Atenção ao eggun. Fonte: elaboração própria. Cali (Colômbia), 2014.
À primeira vista, pode parecer ao leitor que ambos os sistemas são equivalentes nas explicações sucintas que ofereço e, dessa forma, se eu falasse de palo monte, vodu ou candomblé, a possibilidade ou “tentação” de estabelecer analogias também poderia surgir. No entanto, como afirma Joel James Figarola:
O congo se resolve no congo, não sincretiza de forma alguma com entidades iorubá, voduístas ou cristãs, e, quando referências desse tipo são feitas, é exclusivamente para fins ilustrativos, de exposição docente, para obter um grau de compreensão mais rápida, embora menos ajustada à verdade. (2006, p. 25; tradução livre)
Essa afirmação feita para o palo monte a estendo ao que diz respeito às interpretações que posso fazer para santería, vodu, candomblé ou para qualquer outro dos sistemas religiosos de inspiração afro. Cada prática se resolve em si mesma, apesar de várias delas terem surgido de uma dinâmica sincrética (Figura 3). No entanto, o fato de cada um desses sistemas de referência se consolidar não significa que possam ser compreendidos como religiões isoladas ou destituídas de inter-relações; muito pelo contrário: as diferentes “terras” estão intimamente articuladas na práxis religiosa, e as fronteiras entre elas raramente são rígidas. Mesmo quando se consideram as variantes ou variações existentes dentro da santería-ifá, do palo monte, do vodu ou de outras tradições, tais distinções costumam refletir mais a necessidade classificatória dos acadêmicos do que as práticas efetivas ou a percepção dos próprios religiosos (Argyriadis, 2005; Castro Ramírez, 2016b; Cunha, 2011 e 2013; Espírito Santo et al., 2013; Menéndez, 2002). Assim, a complexidade e a porosidade dessas relações podem se tornar incomensuráveis entre sistemas, entre praticantes e, se desejado, entre pesquisadores; ou seja, sob certas condições, é possível pensar que conexões parciais são produzidas (ver Strathern, 2004).

Figura 3. Ngangas. Fonte: elaboração própria. Valle del Cauca (Colômbia), 2012.
Neste artigo, a argumentação teórico-metodológica fundamenta-se em uma abordagem etnográfica e narrativa. As informações apresentadas resultam de trabalho de campo realizado em Havana (Cuba), Bogotá e Cali (Colômbia), entre 2012 e 2022. As experiências etnográficas consideradas para analisar a relação dos praticantes dessas religiões da diáspora com o meio ambiente (ver Castro Ramírez, 2022; Johnson, 2007) incluem: uma celebração ritual conhecida como “alimentar a terra”, da qual participei em Havana, em janeiro de 2013, e outra em Anapoima (Colômbia), em 2017; uma consagração das mão de Orula, que ocorreu em Havana em janeiro de 2013; dois registros ou consultas dentro da santería, seguidos da realização de duas oferendas decorrentes dessas consultas, em Bogotá, em julho de 2017 e janeiro de 20185, respectivamente. Além disso, as narrativas são baseadas em seis entrevistas realizadas com profissionais na Colômbia, em Cuba e no México, em 2012, 2017 e 2022. Quatro dessas entrevistas foram presenciais, uma foi conduzida com um religioso mexicano via Zoom, e a última a um praticante colombiano, por e-mail. Quanto à minha posição no campo, participei de maneira mais ou menos ativa, dependendo da atividade ritual em curso e da abordagem que me era permitida6.
O artigo está organizado em quatro seções. Na primeira, discuto como ocorrem as relações humano-não humano nesses sistemas religiosos, relações fundamentais para compreender a configuração do ser pessoa (pessoidade/personhood) entre os praticantes e, consequentemente, o lugar que as pessoas ocupam no mundo. Na segunda, o argumento se concentra nas percepções de alguns religiosos sobre o meio ambiente, considerando seu ser e estar em um mundo marcado por relações dentro de uma natureza habitada por forças transcendentes que interagem em íntima proximidade com os seres humanos. A terceira analisa os mecanismos derivados da cosmologia interna desses sistemas, voltados para a interação com a natureza e para a preservação do equilíbrio. Por fim, a quarta seção reúne alguns dos argumentos apresentados sobre as correlações entre as práticas religiosas aqui discutidas e suas conexões com o meio ambiente. Longe da pretensão de concluir ou estabelecer generalizações, o objetivo é destacar tensões emergentes na compreensão desses vínculos pessoa-natureza e indicar caminhos para potenciais estudos futuros nessa perspectiva.
Relações humano-não humano em religiões de inspiração afro
Quando surgiu a ideia de escrever um artigo sobre as relações ambientais presentes nas práticas religiosas de inspiração afro — considerando a forma como os religiosos se relacionam com a natureza e os laços humano-não humano que nela se entrelaçam —, emergiram também questões sobre o que é ser pessoa. A partir daí, desenvolveram-se discussões teórico-metodológicas e conceituais que, ao longo de um século e meio de formação do pensamento antropológico, têm sustentado os debates nos quais este artigo se insere. Iniciou-se, assim, um percurso pelos argumentos seminais propostos por Tylor (1871/1920) em torno do animismo, passando pelas conceituações de “pessoa outra que humana” (other-than-human person [Hallowell, 1960]), de “divíduo” (dividual), uma pessoa construída por relações (Strathern, 1990; ver também Bird-David et al., 2019; Henare et al., 2007), e de “superpessoas” (superpersons [Bird-David et al., 2019]).
Ou seja, eu me encontrava navegando entre os argumentos associados à virada ontológica (Henare et al., 2007; Saldi et al., 2019; Viveiros de Castro, 2015) ou, talvez, buscasse uma abertura ontológica, como propõe De la Cadena — uma forma de “abrir os conceitos e ver o que há dentro deles” (De la Cadena et al., 2018, p. 167; tradução livre) —, que me permitiria referir-me mais especificamente às perguntas que orientava esta reflexão. No entanto, como aponta a própria autora, optar por uma abordagem ontológica implicava fazer emergir a análise a partir daquilo que se faz, permitindo que a etnografia — que é, afinal, o que eu sempre pratiquei — orientasse as categorias e a interpretação da experiência, em vez de impor conceituações prévias. Tratava-se, portanto, de apreender esses argumentos e filtrá-los pelas sensações e emoções vividas durante um longo trabalho colaborativo que empreendi há décadas com religiosos de diferentes denominações, com os quais construímos uma trajetória de estreita sintonia voltada à criação de espaços de reflexão sobre esses sistemas religiosos.
Assim, é possível que, nesse exercício reflexivo, muitos dos autores — apresentados nas seções a seguir — sejam reinterpretados e que talvez, por meio da etnografia, possam “dizer coisas que não dizem. Acho que essa é a beleza das etnografias: você pensa com as teorias e as transforma” (De la Cadena et al., 2018, p. 172; tradução livre).
Os autores citados nesta seção compartilham um interesse por questões sobre natureza-cultura, meio ambiente, animismo, noções de pessoa e suas conexões com pessoas não humanas — para aludir a alguns dos significados anteriormente mencionados —, embora sua maneira de lidar com essas questões possa muitas vezes se distanciar e entrar em tensões conceituais. Entre esses autores, quero destacar aquele que discute a possibilidade da existência de “mundos” (outros mundos) ou a que se propõe como “visões de mundo”. Apesar de sua aparente proximidade, eles supõem dois lugares diferentes de enunciação e compreensão; não é um subterfúgio da linguagem:
Se quisermos levar os outros a sério, em vez de reduzir suas articulações a meras “perspectivas culturais” ou “crenças” (ou seja, “visões de mundo”), podemos concebê-las como enunciações de diferentes “mundos” ou “naturezas”, sem ter que admitir que isso é apenas uma forma abreviada de “visões de mundo”. (Henare et al., 2007, p. 10; tradução livre)
Ora, o que esses pesquisadores concordam, mais além de suas várias abordagens, é o lugar de relevância que eles atribuem às relações humano-não humano. Esses outros mundos e aqueles que os habitam são na medida em que se interconectam e se afetam entre si em seu cotidiano, como será visto a seguir.
Os mundos transcendente, natural e social em santería-ifá estão em íntima interconexão: os eventos que ocorrem em um ou em outro geram afetações entre eles. No entanto, isso não significa que haja espaço para predeterminações, pois as relações que se tecem nunca são fixas; vão de um ponto a outro ou simplesmente não têm um ponto de partida e outro de chegada; acontecem, aparecem, desaparecem, transformam-se de forma inacabada e atravessam todos os seres humanos e não humanos. Embora existam relações que podem ser semelhantes entre os sistemas religiosos, isso não implica que as relações ocorram de formas idênticas.
Lázara Menéndez aponta — e isso pode ser estendido a ifá e a palo monte — que “a santería e os santeros, ao estarem inseridos em uma realidade concreta, existem e compartilham o destino de todo ser vivente, ou seja, sofrendo mudanças; portanto, não são um fato imóvel, alheio a mutações e transformações” (2002, pp. 106-107; tradução livre). Por esse caminho, começo indicando alguns aspectos gerais da forma como essas relações são forjadas na santería-ifá; para isso, é necessário delinear a compreensão que se tem sobre ser pessoa nesse sistema.
Ser uma pessoa — e sua agência instrumental7 — dentro da santería-ifá pode ser compreendido a partir da noção de que a pessoa está permeada pelos mundos transcendente, natural e social. Nessa tradição religiosa, acredita-se que, antes de nascer, a pessoa traça seu destino no orun (céu/mundo espiritual) diante da câmara sagrada de Olodumare. Esse destino terreno, entretanto, é esquecido, e a pessoa geralmente passa pela vida em estado de desorientação, podendo transgredir tabus que lhe acarretam desequilíbrios, conflitos sociais, doenças e até a morte. O caminho é recuperado e reorientado quando a pessoa participa do rito de iniciação conhecido como “mão de Orula” (kofá, para mulheres, e awofaca, para homens), durante o qual um grupo de babalawos, por meio do sistema de divinatório de ifá, determina o oricha tutelar e o odu8, cuja interpretação ocorre no itá9. É a leitura desse odu que revela à pessoa a compreensão de sua vida passada, presente e futura ou, nas palavras de alguns religiosos, “seu plano de destino terreno” (Castro Ramírez, 2018 e 2022). O itá, tanto nessa cerimônia quanto em muitas outras de caráter consagratório ou iniciático da regla10, “é o que a divindade tem a dizer à pessoa consagrada” (Castro Ramírez, 2018a, p. 6; tradução livre).
Refiro-me à mão de Orula, e não à kariocha, pois considero que ela constitui a ocasião ritual mais importante para o argumento que apresento aqui e para a entrada nessa religião. É nesse momento que a pessoa é encorajada, pela primeira vez de forma consciente — embora indeterminada e transbordante —, a se perceber como parte de uma rede complexa de relações. A partir daí, ela se torna afilhada ou afilhado, integrando-se a uma linhagem religiosa com padrinhos e uma “madrinha”11, cujos vínculos familiares espirituais podem ser rastreados, em alguns casos, até pelo menos cem anos. Irmãs ou irmãos também podem ser reconhecidos: outras pessoas que receberam a mão de Orula simultaneamente (Figura 4).

Figura 4. Entrega de kofá.Fonte: elaboração própria. Havana (Cuba), 2019.
Essa cerimônia de consagração, no contexto da dinâmica ritual, reforça os vínculos com os ancestrais consanguíneos e cria familiaridade com o oricha regente, feminino ou masculino, que se manifesta como pai ou mãe de quem se apresenta diante de Orula para aprofundar seu plano de destino terreno12. Esse oricha, ao reger as forças da natureza, conecta a pessoa a elas de maneira manifesta. Mais tarde, na cerimônia de assentamento, por exemplo, uma filha ou um filho de Yemayá deve indiscutivelmente ser levado ao mar, onde se realizam os ritos fundamentais de sua iniciação. Yemayá é considerada a mãe universal e senhora das águas; o mar é seu habitat. Um dos patakís (relatos míticos) coletados em Bolívar Aróstegui (1990) narra que:
No início, aqui embaixo, havia apenas fogo e rochas ardentes. Então Olofi, o Todo-Poderoso, quis que o mundo existisse e transformou o vapor das chamas em nuvens. Das nuvens veio a água, que apagou o fogo. Nas grandes lacunas entre as rochas, foi formado Olokun, o Oceano — terrível e temido por todos. Mas o mar também é bom, pois é a fonte da vida, e a água abriu veias na terra para que a vida pudesse se espalhar. Essa é Yemayá, a Mãe das Águas. Por isso também se diz que, antes que nada existisse, Yemayá estava deitada, tão extensa era, e, de repente, disse “Ibí bayán odu mi” — “minha barriga dói”. E dela vieram os rios, os orichas e tudo o que tem fôlego e vive na Terra. (p. 91; tradução livre)13
O vínculo humano-oricha, estabelecido a partir da passagem pela mão de Orula (e, posteriormente, pela iniciação completa), implica que, em termos de relações com a natureza, o espaço natural associado a cada divindade se torna sagrado e objeto de veneração; além disso, emergem tabus e prescrições específicas. No caso dos filhos de Yemayá, o mar se torna o espaço central das atividades rituais iniciáticas, das oferendas de ebbó ou addimu, bem como dos ritos de limpeza e conexão espiritual14. Uma filha ou filho de Yemayá pode servi-la com frutos do mar (como linguado, pargo e garoupa, seus favoritos) ou com alimentos específicos, como ochinchín (preparado com camarão, alcaparras, ovos e acelga). Ao mesmo tempo, restrições podem ser impostas quanto ao consumo de certos frutos do mar ou banho de mar, dependendo do odu sorteado durante o itá. Todos esses aspectos e relações exercem influência sobre a pessoa, especialmente se considerarmos que os traços da pessoa são acentuados pela atuação do oricha. Assim, nesse caso, as filhas de Yemayá — embora se estenda aos filhos — são assumidas como maternais, fortes e apreciadoras da prodigalidade; seu temperamento pode ser calmo ou violento, assim como as águas do mar se comportam.
A mão de Orula, ou sua recepção, geralmente dura dois ou três dias. No entanto, independentemente da duração, no dia em que ocorre o itá, nas primeiras horas da manhã ou antes do meio-dia, realiza-se uma atividade ritual conhecida como nangareo (ñangareo). Gostaria de me referir brevemente a essa ritualidade, pois acredito que ela nos permite aprofundar sobre o lugar significativo das relações humano-não humano que se desencadeiam a partir da recepção dessa consagração.
Cena 4. Nangareo: dando conhecimento aos eggun e a Olorún
No dia 20 de janeiro de 2013, em Havana, acordamos cedo junto com meus padrinhos, Gladys e Lázaro, no Ilé Ibú. Tomei banho com o omiero preparado para mim na noite anterior; em seguida, tomei um banho comum como sempre. Naquele dia, não tomamos café da manhã habitual, apenas café; precisei esperar minha madrinha realizar a rogação da cabeça15 e o nangareo. Enquanto esse momento chegava, meu padrinho me ensinou algumas coisas básicas, por exemplo, quando eu chegasse em casa, eu deveria — em sinal de respeito e humildade — me curvar em sua presença, tocar o chão com as mãos, dizer ibboru e esperar que ele me levantasse me dando sua bênção. Então, ele me levou ao quarto para me apresentar a Orula e cumprimentá-lo: “Ibboru, iboya, ibocheché, aqui está seu filho Luis Carlos Castro Ramírez, pedindo que você me liberte de bo(gbo) osobbo e me ofereça bo(gbo) iré”.
Por volta das nove da manhã, Mirna e sua família chegaram à casa religiosa (ilé). Mirna era uma garotinha cubana de sete anos na época, que também realizava comigo a cerimônia de mão de Orula. Ela e eu estávamos vestidos de branco, conforme as instruções recebidas no dia anterior. Após algum tempo, Mirna foi chamada pela madrinha Gladys para a rogação da cabeça. Cerca de 15 minutos depois, ela retornou com a cabeça coberta por um lenço branco, sinal de que tinha recebido a rogação. O lenço também servia para segurar uma cataplasma colocada sobre o algodão e que continha coco ralado, água de coco ou água, cascas e manteiga de cacau. Em seguida, chegou a minha vez de ser rogado.
Quando voltei para a sala, fomos chamados quase que instantaneamente para realizar o nangareo. Para esse momento, mais dois oluwos16 cubanos já haviam chegado à casa, Leo e o Duque, este último seria meu oyugbona (segundo padrinho) daquele dia em diante.
O nangareo é uma cerimônia realizada para pedir a bênção de Olorún (o Sol) e dos eggun, e também para dar-lhes conhecimento das cerimônias que estão sendo realizadas na Terra. Naquela ocasião, a cerimônia visava informar sobre a realização do kofá de Mirna e do meu awofaca. Para o nangareo, foi colocada uma cesta de vime no chão, sobre a qual havia um pano vermelho e, em cima, uma grande cabaça contendo dengué17. Ao redor desses elementos, foi desenhada uma circunferência de terra, e quatro pequenos copos foram posicionados formando um retângulo, representando os quatro pontos cardeais da superfície terrestre.
Os presentes formaram um círculo ao redor da cesta. O oluwo Leo realizou as rezas de Oché Bile e de Otura Meji. Enquanto oferecia coco a Olorún, explicou que o nangareo estava sendo realizado por ocasião da mão de Orula. Com uma pequena cabaça, ele retirou um pouco do dengué contido na cabaça maior, ergueu-a com as duas mãos em direção ao Sol e proferiu uma curta moyuba (invocação) na língua iorubá, que, entre muitas outras coisas, dizia:
Prestamos homenagem às partes de Deus mais próximas da Terra. Presto homenagem ao Deus dos céus, ao Deus eterno que está em todos os lugares. Presto homenagem ao dono deste dia. Hoje saúdo-te, Olorún, tu que és guardião e protetor da Terra. Olorún, o protetor da primeira cidade, a cidade sagrada de lfé. Olorún vivente, dono da terra. Olorún, dono de todos os espíritos. Olódumare, aquele que engloba a totalidade do cosmos. Olódumare, presto homenagem a todos os ancestrais que agora estão sentados a seus pés. Louvo as forças criativas e aqueles que sacrificaram suas próprias vidas pela continuidade da vida. Presto homenagem ao despertar do sol, ao amanhecer. Presto homenagem ao sol poente, ao pôr do sol. Presto homenagem a toda a eternidade: ontem, hoje e amanhã. Presto homenagem ao sol. Presto homenagem à lua. Presto homenagem à Mãe Terra. (Lele, 2006, pp. 60-61; tradução livre)18
Além disso, a moyuba continuou a homenagear os eggun das famílias daqueles presentes, bem como os ancestrais que transmitiram o conhecimento e fundaram o sistema religioso. A moyuba encerrou com o pedido para que todas as entidades proporcionassem proteção a cada religiosa e religioso da casa, assim como a todos que estavam nela.
Ao término das rezas, o oluwo pegou um pouco do conteúdo da pequena cabaça, que agora segurava na mão direita, e aspergiu o líquido restante ao redor da cabaça maior, em sentido anti-horário. Nesse momento, começaram os suyeres (cantos): “Nangaré, nangaré [nangaré], nangaré omolorún [nangaré], karikate imalé”, e todos nós passamos a girar ao redor da cabaça central. Um por um, de acordo com as consagrações que possuíamos, fomos ao centro para repetir os gestos do babalawo. Os homens utilizavam a mão direita e as mulheres, a mão esquerda para levantar a cabaça, pedindo bênçãos de Olorún, Olofi, Olodumare, dos mortos e de todos os anciãos religiosos presentes. Em seguida, bebíamos um pouco da bebida e vertíamos o restante ao redor da cabaça. Posteriormente, o oluwo Leo encheu os quatro copos posicionados nos cantos da cabaça maior e os distribuiu: um para o padrinho, um para a madrinha, um para minha oyugbona e um reservado para si. Cada um deles colocou os copos em locais estratégicos da casa. Por fim, no meio dos cantos e enquanto girávamos em círculo, a grande cabaça, que continha o dengué, foi coberta com a cesta e esta, por sua vez, foi coberta com o pano vermelho.
Chegou então a hora do café da manhã. Mirna e eu, na companhia de nossos padrinhos, subimos para a sala de jantar disposta na varanda da casa; lá, um delicioso café da manhã estava esperando por nós. Quando terminamos de comer, descemos para perguntar a cada um dos guerreiros e a Orula se eles precisavam de alguma coisa para nos dar seu consentimento para iniciar a cerimônia. Tudo estava em ordem. Após esse protocolo, fomos para a sala e esperamos pelo que se seguiria. “Mirna, venha aqui!” — gritou o padrinho Lázaro do quarto onde ele e os demais babalawos estavam sentados. Ela saiu apressada; sua pequena figura sumiu no final do corredor, depois que a porta do quarto de Orula se fechou. Era a hora do itá.
Há um último elemento ao qual quero me referir: uma materialidade que está exposta na natureza, mas que, na prática da santería, é cuidadosamente resguardada. Essa materialidade pode ter sido esculpida pelo fogo ardente do oricha Aggayú; pelas águas salobras ou doces do mar e do rio associados a Yemayá e Ochún; pelos ventos abrasivos, relâmpagos e tempestades de Oyá; pela umidade e pelo mofo do mato onde habita Elegguá, entre outras manifestações da natureza. Trata-se da otá (pedra [otán]), que quase sempre é protegida dos olhares dos curiosos e das pessoas não iniciadas (Figuras 5 e 6). Essas pedras constituem o fundamento material da prática religiosa dentro do complexo ocha-ifá, mas não se limitam a ele: materiais equivalentes em outros sistemas religiosos, como o nfumbi19, que habita o nganga20, no palo monte (Figuras 7 e 8).

Figura 5. Soperas (alguidar), altar de santería. Fonte: elaboração própria. Cali (Colômbia), 2021.

Figura 6. Sopera de Yemayá, senhora dos Mares.Fonte: elaboração própria. Cali (Colômbia), 2021.

Figura 7. Nfumbis guardiões. Fonte: elaboração própria. Valle del Cauca (Colômbia), 2021.

Figura 8. Nascimento de um microuniverso. Fonte: elaboração própria. Juanchito (Colômbia), 2012.
Enrique Estrada, religioso cubano, é tata nganga, santero, babalawo e professor da Universidad Michoacana de San Nicolás de Hidalgo. Vive no México há 23 anos e começou sua trajetória iniciática nos ilés cubanos há pouco mais de 30 anos. Em relação ao lugar das pedras como fundamento religioso, ele aponta que:
Estes são os ossos da terra; o espírito está alojado nos ossos, de modo que a pedra pode funcionar como receptáculo de uma divindade, mas também de um espírito, de um morto. As pedras seriam como o osso arquetípico, o osso de todos os ossos ou aquele do qual todos os demais emanam, e no qual os diferentes espíritos podem ser abrigados. Se você tem o osso de um morto, somente o espírito desse morto pode residir nele; se você tem o osso de um animal, somente o espírito desse animal pode habitá-lo. Mas, se você tem uma pedra, nela pode colocar uma divindade, o espírito de um morto, de um animal ou de uma planta. (Comunicação pessoal por Zoom, Morelia, México, 2022; tradução livre)
As observações de Enrique levantam questões semelhantes às que surgiram para Alfred Irving Hallowell em seu trabalho entre os ojibwa, um povo indígena canadense. Hallowell relata que, estando na companhia de um dos anciãos dessa comunidade, perguntou-lhe, em tom curioso, se “todas as pedras que vemos perto de nós estão vivas”; após algum tempo de reflexão, ele respondeu: “Não! Mas algumas são” (1960, p. 24). Dizer que as otán são a base está coerente com a práxis em santería-ifá, na medida em que as pedras se tornam, como refere o babalawo cubano, o “recipiente dentro do recipiente”, que são as soperas vistosas nesse sistema religioso. Cada otán abriga a energia de um oricha, e essas entidades geralmente requerem pedras diferentes, conforme seus atributos divinos. No caso das divindades marinhas, Yemayá e Olokun, que habitam, respectivamente, o mar e suas profundezas — sendo que Olokun conecta o mundo dos mortos —, durante uma iniciação ou consagração, utilizam-se pedras do mar e outros elementos marinhos, como caurís (búzios, caracoles) ou corais. Como dito antes, suas principais cerimônias ocorrem nas proximidades do mar (Figuras 9 e 10).

Figura 9. Em busca das otán para Olokun. Fonte: elaboração própria. Havana (Cuba), 2013.

Figura 10. Fundamentos marinhos. Fonte: elaboração própria. Havana (Cuba), 2013.
Uma característica dos sistemas religiosos de inspiração afro é que, após cada cerimônia de iniciação ou consagração, a relação transcendente tecida entre as diferentes espiritualidades e as pessoas é consolidada (Figuras 11 e 12).
O que é recebido forja laços que abrangem quase a totalidade da experiência humana. Quando se passa por uma consagração e se recebe um oricha como Olokun Aggana-Erí, por exemplo, a materialidade que dá origem a esse artefato inclui elementos da natureza como pedras, búzios, sangue animal, plantas e insumos criados pelo ser humano, como soperas, imagens e objetos alusivos a essa divindade (figura antropomórfica, balança, serpente, sol, cavalo-marinho etc.). Cada um desses objetos tem uma biografia e está reunido dentro do artefato sagrado, do qual vemos apenas sua forma externa. (Castro Ramírez, 2018a, p. 6; tradução livre)
Esse artefato — que, no caso da santería-ifá, é comumente uma sopera — e o que nele reside se tornam a concretização das relações pessoa-oricha-natureza. Trata-se de imanência: não são agentes separados, mas um e o mesmo. Se é verdade que essas relações configuram a pessoa, não é menos pertinente considerar que se cria simultaneamente uma espécie de nós-idade, que poderia ser entendido como “we-ness” ou “nostreidad” (ver Bird-David et al., 2019; nesse mesmo texto, comentários de Pálsson a Bird-David et al., 2019).

Figura 11. Fazer-nascer: atributos para um Olokun. Fonte: elaboração própria. Havana (Cuba), 2013.

Figura 12. Sopera de Olokun. Fonte: elaboração própria. Chía (Colômbia), 2015.
Este artigo começou com alguns breves trechos do livro El monte, de Lydia Cabrera, com uma primeira narração de Sandoval, um dos antigos informantes — com quem a etnóloga cubana teve a oportunidade de dialogar — descendente de africanos escravizados e vindo de uma tradição familiar de yerberos, responsáveis pelo manuseio ritual e medicinal das plantas utilizadas nas cerimônias. Sandoval disse a Cabrera: “Somos filhos do mato porque a vida começou lá; os santos nascem do mato e a nossa religião nasce também do mato” (1954/2006, p. 19; tradução livre). O mato, como explica Cabrera, é uma concepção semelhante às noções de mãe universal que outros povos têm. Embora isso seja verdade, também é verdade — como se tentou indicar — que os mares e rios ocupam um lugar de importância, assim como tudo o que ali se encontra, ervas, gravetos, animais, minerais, que, além disso, são habitados e pertencem às diferentes divindades, cada espaço natural e cada fenômeno que existe na natureza irradia propriedades sobrenaturais. Todas essas relações implicam um dizer-fazer que se vive e que não se trata de uma simples visão do mundo, mas sim da criação de mundos que são habitados na cotidianidade.
Uma natureza divinizada: percepções ambientais
Para aqueles que fazem parte do complexo ocha-ifá, essas relações são amplamente aceitas, embora haja variações nas formas de interpretá-las. Em resumo, todos habitam esses outros mundos; por isso, não se trata apenas de visões de mundo, no sentido de representações ou imaginários: o que acontece aqui é. Volto à discussão sobre as pedras para justificá-lo: a otá resguardada na sopera de Yemayá ou de qualquer outro oricha não é uma representação da divindade, é a própria divindade; o mar não é uma representação de Yemayá, é a própria oricha e esta, por sua vez, é no mar. Ao mesmo tempo em que ocorre uma espécie de consubstanciação entre pessoas, orichas e odu — que é reforçada e concretizada em materialidades durante os processos iniciáticos e de consagração —, evidencia-se também um relacionamento, um devir pessoa-oricha-natureza. As interconexões que emergem dessas relações são reveladas na vida cotidiana, não sendo algo que está preso nas diferentes ocasiões rituais ou em espaços religiosos. Portanto, a práxis religiosa não pode ser vista como uma simples produtora de representações e simbolismos, de crenças que os outros têm: a religião se torna poder, atividade e intervenção real no aqui e agora (ver Assad, 1993).
No caso da santería-ifá e dos sistemas religiosos de inspiração afro, como já foi dito, é um dizer-fazer permanente; as interconexões entre mundos — o dos eggun, dos orichas e dos praticantes — não podem ser entendidas como algo mais além da cotidianidade. O transcendente como um mais além ou um por fora dos mundos fenomênicos que habitamos não é tal, se for aceito que essas pessoas outras que humanas ou superpessoas (Bird-David et al., 2019; Hallowell, 1960) — que sempre preferi referir-me, no caso específico da santería-ifá, como eggun ou orichas, como fazem os praticantes — coabitam e se relacionam com os seres humanos no dia a dia.
As maneiras pelas quais essas interações surgem são heterogêneas21. Aqui, quero destacar uma modalidade que envolve uma espécie de intercâmbio e que deriva da passagem de praticantes ou usuários por um desses sistemas religiosos, quando ocorre um registro ou consulta para determinar ou resolver um mal-estar que os aflige. Cada sistema religioso dispõe de diferentes tecnologias terapêuticas que permitem diagnosticar e intervir sobre o desconforto, que pode ter múltiplas causas — por exemplo, bruxaria, transgressão de proibições, negligência ou descumprimento de obrigações para com espíritos ou divindades, ou ainda por desiquilíbrios internos da pessoa. Na santería-ifá, as tecnologias usadas por especialistas religiosos incluem obí, diloggún e ifá (Castro Ramírez, 2008, 2016a, 2017). Para este artigo, além da operação desses sistemas, é relevante considerar os relacionamentos que são estabelecidos a partir deles.
Cena 3. Um insulto a Ochún
No final de julho de 2017, Fredy, um jovem administrador de empresas, passava por uma crise econômica, emocional e de saúde que tinha criado nele, em grande parte, um forte transtorno classificatório, ou seja, as estruturas interpretativas que lhe serviam para habitar o mundo haviam se tornado indeterminadas e problemáticas para enfrentar as diferentes situações que vivia naquele momento. Anteriormente, em outubro de 2015, Fredy tinha recebido a mão de Orula, com alguns padrinhos cubanos que tinham visitado a Colômbia, ocasião em que ele tomou a decisão de consultar alguns religiosos no noroeste da capital.
Ao final da consulta, Wilson e Daniela22, dois paleros e santeros colombianos iniciados em Cuba há cerca de 15 anos, indicaram que Fredy se encontrava em osobbo, ou seja, que o odu que lhe tinha sido atribuído estava em desequilíbrio, sendo o motivo dessa instabilidade produzida pela própria cabeça do consultante (osobbo elese eledá). A princípio, a resolução parecia simples: Fredy teve que realizar um ebbó e um addimu diante do oricha Ochún, que o protegeu naquele dia. Por meio de cada odu, certas entidades espirituais falam e, de acordo com o odu estabelecido, determina-se o que deve ser feito. Ochún, como descreve Bolívar Aróstegui, é um “oricha maior. Dona do amor, da feminilidade e do rio. É o símbolo da sedução, da graça e da sexualidade femininas” (1990, p. 116; tradução livre).
Para resolver o problema que o afetava e receber a bênção, Fredy teve que sacrificar algumas codornas a Ochún, realizar um ofertório de doces e preparar uma espécie de cofre de oferenda com uma abóbora, na qual colocou cinco moedas, mel, flores douradas e outros elementos associados a esse oricha, deixando uma vela amarela acesa (Figuras 13 e 14). Além disso, para alcançar estabilidade e clareza em seu ori (cabeça), foi-lhe recomendada uma rogação da cabeça. O que foi determinado no registro foi integralmente cumprido pelo jovem. Após cinco dias, ele retornou à casa dos religiosos para recolher os elementos destinados a Ochún e concluir o processo de cumprimento e alívio da crise que o afligia. A última etapa consistiu em levar a oferenda ao rio, deixá-la ali e dirigir-se a Ochún, reiterando seu pedido de bênção e ajuda para superar o problema.

Figura 13. Fazendo um cofre para Ochún. Fonte: elaboração própria. Bogotá (Colômbia), 2017.

Figura 14. Uma oferenda para Ochún. Fonte: elaboração própria. Bogotá (Colômbia), 2017.
Aproximadamente seis meses se passaram desde que Fredy fez a consulta e a oferta a Ochún. No entanto, longe de ser resolvido, suas circunstâncias se tornaram mais prementes. Novamente, foi realizada uma consulta com Wilson e Daniela e, repetidamente, o odu que saiu vinha em desiquilíbrio. Esse odu o advertiu de que ele tinha cometido uma ofensa grave contra um oricha. A partir daí, os religiosos começaram a revelar o que tinha acontecido, consultando repetidas vezes as divindades para saber qual delas tinha sido ofendida pelo praticante, que se mostrava visivelmente confuso e preocupado. Em seu exercício autorreflexivo, ele afirmava sempre ter cumprido com as solicitações feitas tanto pelos religiosos quanto pelas entidades espirituais. Finalmente, teve conhecimento: a ofendida era Ochún. A perplexidade aumentou para o repreendido e, depois de um tempo de perguntas, o que tinha acontecido foi compreendido. Há seis meses, quando saiu da casa religiosa, foi depositar a oferta a Ochún; contudo, por uma questão de acessibilidade ou “facilismo”, ele a deixou em um dos rios que continha água de esgoto, ou seja, em um córrego23, na capital colombiana; portanto, para a compreensão da divindade, a oferenda não foi recebida adequadamente, o que configurou uma ofensa a Ochún. Nessa ocasião, Fredy precisou refazer o trabalho — exceto o sacrifício das codornas — e cumprir com a nova prescrição determinada por outras divindades após a consulta daquela tarde. Cinco dias depois, pela manhã, ele retornou para recolher a oferenda feita a Ochún e, rapidamente, foi depositá-la, desta vez, no rio.
Pretende-se enfatizar que, no sistema ocha-ifá, as espiritualidades habitam lugares específicos da natureza. Nesse sentido, há um entendimento, historicamente herdado dessa religião da diáspora, de que toda oferenda realizada — seja aos eggun ou aos orichas — deve ser depositada nos locais onde cada um deles habita, para que o “trabalho” tenha eficácia. Embora isso se mantenha, é cada vez mais frequente um autoquestionamento sobre a relevância dessa dinâmica ritual e seu impacto socioambiental. É claro que essas questões vêm por diferentes vias para os praticantes: por um lado, existem as discussões ambientais que bombardeiam todos os habitantes do planeta: poluição, aquecimento global, desastres naturais devido a secas ou inundações; por outro, emerge um olhar introspectivo sobre o próprio dizer-fazer, no qual são evidentes as controvérsias decorrentes da práxis dessas religiões nos novos lugares de recepção. A inserção dessas religiões diaspóricas não está isenta de tensões socioculturais, políticas, religiosas, jurídicas, econômicas ou ambientais, entre outras (ver Castro Ramírez, 2018b e 2022; Castro Ramírez e Kerestetzi, 2021; Juárez Huet, 2014; Ortiz Martínez e Castro Ramírez, 2014; Saldívar Arellano, 2012).
Nesse sentido, o que aconteceu com Fredy serve para enfatizar as implicações socioambientais que constituem a existência de materialidades sagradas produzidas no campo da prática da santería-ifá e que são situadas no meio da natureza ou de qualquer outro lugar. É relevante esclarecer que o propósito de deixar sacrifícios ou oferendas em determinados lugares é fazer saber às entidades espirituais o que está sendo realizado, permitindo que elas absorvam e limpem as energias negativas ou que sejam agradadas. Assim, a energia vital que permanece nos elementos oferecidos é consumida pelo eggun ou pelo oricha, revertendo-se em benefício de quem realiza a oferenda. No entanto, isso acarreta dificuldades de várias ordens que tentam ser negociadas além dos tratados religiosos e dos ensinamentos que são transmitidos dos padrinhos para os afilhados. Em uma conversa posterior com esses religiosos, eles me apontaram:
Wilson: Aqui em Suba24, sei lá, foi com o boom da chegada dos venezuelanos. Aqui você chegava nos canteiros e encontrava os animais jogados fora. Então, eu acho que toda essa situação tem que ser regulada, dentro da parte legal, os iorubá também deveriam ter uma parte jurídica em que esse tipo de coisas do ebbó é regulado, porque se o ebbó vai para a esquina, ele tem que ir para a esquina. Eu não posso inventar para onde ele vai, porque é isso que o oricha está pedindo. Mas também existem outras circunstâncias que podem ser administradas: se for para o mato, enterramos o animal; se for para a linha do trem, que não fique exposto. Quando tenho um ebbó no mato, procuro fora da cidade, não jogo lá em Suba, onde só tem um morro. Se trata do cuidado com a parte ecológica. A gente tenta chegar a um acordo com o santo e perguntar sobre lugares mais acessíveis ao religioso e para não incomodar as pessoas da vizinhança. Por exemplo, costumo perguntar primeiro ao Elegguá sobre o lixo e, depois sobre o mato, mas a última coisa que vou perguntar é se fica na esquina da casa. Mas isso depende do religioso, que deve perguntar por um lugar para onde vai o ebbó que não incomode, mas que o santo o receba. (Entrevista, Bogotá, Colômbia, agosto de 2022; tradução livre)
Daniela: A gente pergunta pelo destino, mas também é preciso adaptar-se ao ambiente, à situação, à sociedade, à salubridade, ao respeito que deve se ter, porque também aqui há deveres, direitos e obrigações. Como podemos nos sobrepor aos direitos dos outros? Se nada puder ser feito, e o ebbó deve ir para as esquinas da casa ou do comércio, então a gente espera o horário próximo ao que passa o caminhão do lixo; ficamos até mais tarde e deixamos o ebbó embrulhadinho no papel, porque temos que evitar problemas com as pessoas. Em outros casos, por exemplo, Yemayá, você faz uma oferenda e, sempre que é feita uma oferenda, uma cerimônia... aqui é lógico que não há mar, então você sempre pergunta a ela um destino e lhe explica: “Minha mãe, não tem mar por perto, pode ser deixado em um lugar assim? Podemos fazer isso?” Dadas as condições geográficas ou sociais, a gente explica e negocia, entre aspas, com o oricha. (Entrevista, Bogotá, Colômbia, agosto de 2022; tradução livre)
Fredy: Na minha compreensão da religião e das práticas, as oferendas são necessárias para a iluminação, desenvolvimento e limpeza energética. Para a coesão do religioso e seu entorno, assim como o uso de animais é necessário, faz parte da tradição e, embora um pouco violento, é difícil de substituir. “Um mal por um bem”. Pessoalmente, devo admitir que várias vezes tive a sensação de que as práticas em que estive imerso são agressivas com a natureza, pois, deixando de lado a religião e o contexto sagrado ou ritual destas, na maioria das vezes, o ebbó são animais mortos, que poluem o espaço onde são abandonados, sendo esse lugar a casa do oricha ou da entidade para a qual se presta culto [...] acredito que uma melhor gestão desses “resíduos” poderia ser feita, para evitar a poluição. Acho que estamos trabalhando nisso ou, pela minha prática, tentamos fazer com que o desperdício da ação ritual acabe no lixo. Como? É o oricha ou o eggun que determina o fim último do ebbó. Perguntam-lhe para onde ele vai [...] a primeira opção deveria ser lixo; ele entende isso e manda para lá. (Conversa pessoal por e-mail, Bogotá, Colômbia, julho de 2022; tradução livre)
O que foi expresso por esses religiosos de Bogotá expõe várias discussões relevantes. Em primeiro lugar, a referência aos rearranjos que a religião sofre em contextos diferentes daquele em que se originou e as dificuldades geográficas e naturais envolvidas na realização de sacrifícios ou oferendas às espiritualidades dessa religião. Ao mesmo tempo, destacam-se as possíveis tensões sociais que podem surgir em decorrência de estarem imersos em um cenário cultural igualmente diferente, no qual existem preconceitos que assimilam essas práticas à bruxaria ou a formas “primitivas” de religião. Em segundo e terceiro lugar, observam-se duas dinâmicas — sobre as quais não me deterei, pois exigiriam um desenvolvimento mais extenso do que me permite este artigo — que se referem, por um lado, à migração de religiosos venezuelanos para o contexto colombiano, o que contribui para tensionar ainda mais a práxis religiosa no país. Trata-se de um novo ator sociorreligioso, cujo conhecimento das religiões de inspiração afro-cubana foi apreendido em um cenário sociocultural diferente e que passou a se relacionar também com práticas típicas desse país, como o espiritismo venezuelano e o culto a marialioncero. Por outro lado, há a discussão em torno do sacrifício de animais, que suscita questões ambientais, culturais, éticas e legais, sendo um dos pilares — junto com os fenômenos de transe-possessão — dos sistemas religiosos de inspiração afro. No entanto, afirmo que o sacrifício, nesses contextos, vai além da teoria da vítima sacrificial e da ideia de desvio da violência sobre uma pessoa ou uma comunidade (Girard, 1972/2005); ou seja, remete à expressão usada por Fredy e por outros praticantes: “Um mal por um bem”.
Um último aspecto que deriva das narrativas dos praticantes colombianos e da experiência de Fredy quando ele deixou o ebbó para Ochún em um córrego em vez de um rio é aquele que se refere às possíveis diferenças geradas a partir do desempenho dessa prática em ambientes rurais ou urbanos. Em relação à dinâmica urbano-rural (Figuras 15-18), conversamos com Enrique, a quem me referi anteriormente, sobre as distinções entre Colômbia, Cuba e México:
A referência que tenho dos religiosos cubanos é a dos habaneros — pessoas muito urbanas e cujo horizonte de vida é a aspiração de alcançar uma vida de classe média, distante do campo. O campo é considerado um lugar inferior e, consequentemente, a natureza nada mais é do que o espaço onde se deposita o lixo. A ideia, amplamente repetida, de que as divindades africanas seriam forças da natureza se perdeu. Na verdade, essa ideia em si não me parece particularmente precisa, acho até ingênua, já não aparece entre os religiosos. No México, a gente se move em um ambiente predominantemente de classe média; para mim, é evidente que essas pessoas, quando olham para a natureza, não veem nada: é um vazio, algo sem sentido, pois o único referente existente é o humano. Então, elas só podem entender o sagrado em termos de entidades humanas — anjos, santos, esse deus masculino, branco e invisível. Essa percepção própria da classe média mexicana também permeia a dos religiosos cubanos; eles não veem a natureza, tampouco a buscam; não conseguem acessar essa experiência nem estabelecer uma conexão direta com a sacralidade natural, com a sacralidade dos espaços naturais.
Lembro-me de que uma vez minha irmã realizou uma pequena atividade de limpeza na Playita de 110, em Havana, porque estava tão cheia de lixo, de ebbós enfiados em sacos plásticos de lixo, roupas descartadas, uma pocilga. Então, você se pergunta, é realmente essa a relação que você estabelece com o mar, com a consciência sagrada que está encarnada no mar? Não acho que Yemayá considere isso agradável. Eu vejo o mar apenas como água? Eu jogo o lixo lá porque o babalawo me disse para fazer isso? E isso faz com que a possibilidade da experiência sagrada imanente seja totalmente perdida. No nosso caso [refere-se a ele e à sua casa religiosa no México], não: tudo está na natureza. Se você tem que fazer uma oferenda, você vai para o mato, para o rio..., a primeira coisa que fizemos quando chegamos a essa casa foi ver onde ficava o mato, o rio, o lago, a ferrovia. Ou seja, construímos um pequeno mapa de locais sagrados onde poderíamos estabelecer essas conexões. (Comunicação pessoal por Zoom, Morelia, México, 2022; tradução livre)

Figura 15. Ao encontro dos espíritos. Fonte: cortesia de María Angélica Ospina. Wirikuta (México), 2012.

Figura 16. Elegguás, Luceros, Legbás: algumas pedras estão vivas. Fonte: cortesia de María Angélica Ospina. Wirikuta (México), 2012.

Figura 17. Céu explodido. Fonte: cortesia de María Angélica Ospina. Wirikuta (México), 2012.

Figura 18. A noite cai no deserto. Fonte: cortesia de María Angélica Ospina. Wirikuta (México), 2012.
A experiência religiosa de Enrique na diáspora, sua tentativa de estabelecer uma conexão direta e equilibrada com o meio ambiente, separando-se das limitações impostas pela vida na cidade, é algo que outros religiosos tentam enfrentar de maneiras diferentes.
Wilson: Pois bem, uma coisa é o que se faz como religioso que tem consciência, mas a pessoa que vem simplesmente para uma cerimônia, ela acaba não indo para Chía ou Cota [municípios próximos de Bogotá] onde há mato, quando você diz a ela: “Deixe o ebbó onde há grama ou vegetação”. Ela vai e joga no canteiro da avenida principal, porque viu que a grama era alta lá e havia árvores. Então, às vezes, você tem que educar o cliente, não tanto o religioso; acho que já estamos mais conscientes.
Ou o que aconteceu conosco em La Dorada [Colômbia], tivemos que dar cinco galinhas para Ochún no rio e elas foram entregues a ele lá. Infelizmente, as cinco acabaram no mesmo lugar no rio. E as pessoas da cidade as viram, e isso formou um escândalo, saiu no noticiário, no rádio, aquele “satanismo”. Então, o que eu faço agora é perguntar a Ochún se ela me dá permissão para cozinhar as galinhas ou pelo menos assá-las, porque é menos arrepiante vê-las assim do que sem cabeça. As pessoas podem dizer: “Esses caras fizeram um churrasco na beira do rio e a galinha caiu”. Além disso, é muito mais fácil para elas entrarem em decomposição. Eu faço isso agora, por exemplo, eu tiro as penas, eu as cozinho, eu as entrego para Ochún com mel e amêndoas, porque o que aconteceu conosco... a gente pensa no problema em que podemos entrar: “Não, não, aqueles que estão indo aí foram os que mataram a galinha! Ritual satânico!” Estamos em uma selva de concreto, onde temos que nos acomodar às pessoas, à cultura, às crenças... e, agora, com toda essa história animalista, a gente tem que se cuidar muito. Isso deve ser ensinado aos religiosos, aos afilhados. (Entrevista, Bogotá, Colômbia, agosto de 2022; tradução livre)
Daniela: É importante entender que nem todas as cerimônias são de limpeza; também há cerimônias de oferenda. Então, no estilo muito cubano, eu estive lá recentemente e, com essa situação econômica, eles te limpam com alguma coisa e o restante é oferecido. E o que eles fazem? Cozinham e distribuem para todos. Então, o que o Wilson está fazendo aqui? Das cinco galinhas para Ochún, obviamente ele fala com ela, dá coco para ela, faz perguntas; se limpa com uma, e as outras quatro se tornam oferenda. Rapidamente, arrancamos as penas, retiramos tudo que tem em seu interior e entregamos a cada um dos afilhados ou dos clientes para levar e preparar. Então, é uma opção muito boa: ajuda na economia e, ao mesmo tempo, você recebe a bênção do santo. Ou seja, existem muitos fatores que podem ser aproveitados. Sim, claro, a pessoa é limpa, os banhos são feitos, mas não é necessário que as cinco galinhas “absorvam”; às vezes, uma é só suficiente. A ideia é também aproveitar os alimentos. (Entrevista, Bogotá, Colômbia, agosto de 2022; tradução livre)
No entanto, para além do pragmatismo e da desconexão — que parece emergir da prática religiosa — nas relações entre pessoas, entidades transcendentes e natureza, ainda há considerações que visam endossar esse equilíbrio relacional. Dessa forma, acredita-se que tudo o que é tomado ou oferecido pela natureza requer uma “licença” e uma “compensação”, como costumam indicar os praticantes desses sistemas religiosos:
Se o mato não é saudado, se não é pago, “fica com raiva”. O ladrão mais ousado de uma aldeia não se atreveria a se apoderar de um cipó [bejuco] em campo aberto sem um reverente “com licença” e sem pagar, segundo os bons costumes, ao dono invisível e temido, algumas moedas de cobre — ou, na falta delas, alguns grãos de milho equivalentes. (Cabrera, 1954/2006, p. 22; tradução livre)
Esse ensinamento de Baró — outro dos colaboradores de Lydia Cabrera —, quase 70 anos depois, ainda mantém parte de sua validade, apesar das transformações e do fato de a religião ter iniciado viagens por outras geografias diferentes das de seu lugar de origem, e, ao mesmo tempo, levanta-se como reveladora das relações entre orichas, pessoas e natureza. No entanto, como começou a ser delineado nesta seção, a compreensão de como se relacionar com o meio ambiente por parte dos religiosos é algo que pode ser radicalmente diferente25.
Alimento para a terra: retribuindo e encontrando equilíbrio
Cena 2. “Um bem de saúde escrito, decretado na Terra...”
Em 11 de janeiro de 2013, depois de sete anos, voltei a Havana como parte de minha pesquisa de doutorado. Antes de minha chegada, estabeleci vários contatos por meio de religiosos colombianos iniciados nas reglas cubanas. Entre eles estava o contato com Ilé Ibú (casa do rio), uma casa religiosa coordenada por Gladys, uma santera mais velha e apetebí ayafá de Orula26, filha de Ochún e Lázaro, um babalawo, filho de Changó; mais tarde, essas pessoas que conheci se tornariam meus primeiros padrinhos cubanos de religião. Ilé Ibú estava localizada, na época, no município de Arroyo Naranjo, na capital cubana.
Em 18 de janeiro, estive na casa dos religiosos e fui convidado no dia seguinte para uma cerimônia para alimentar a terra. No meio daquela manhã, cerca de 25 pessoas partiram; estávamos todos com a cabeça coberta e nos dirigíamos a um rio perto de Arroyo Naranjo para a realização daquela ocasião ritual. Entre os participantes, levamos o addimu, que consistia em frutas como goiaba, laranja e mamão; diferentes sopas feitas com feijão preto e branco, milho e grão-de-bico; além de ovos, mel, aguardente, água, eku-eya-aguadó (peixe torrado, jutía [tipo de roedor encontrado no Caribe] e milho), cascarilla (pemba), manteiga de corojo [Acrocomia crispa] e de cacau e um frango (Figuras 19 e 20).

Figura 19. Um addimu para a terra. Fonte: elaboração própria. Havana (Cuba), 2013.

Figura 20. O ebbó para alimentar a terra. Fonte: elaboração própria. Havana (Cuba), 2013.
Uma vez lá, eles cavaram um jorojoro (buraco ritual); ao redor dele, colocaram os pratos com as oferendas; dentro depositaram uma abóbora sobre a qual tinham sido traçados alguns odu de ifá. Uma vela foi acesa e todos nós permanecemos ao lado dela. Em seguida, foram realizadas as moyuba e petições para nos proteger de doenças e obter desenvolvimento, seguida pelos primeiros orikis (cantos). Logo depois, foi feita uma sarayeyé (limpeza ritual) com o frango, dirigida por Leo — outro dos babalawos. O primeiro a ser limpo foi o padrinho Lázaro, seguido por Leo, a madrinha Gladys e depois o restante dos presentes; a ordem respondia à hierarquia ritual. As pessoas foram marcadas na testa com um sinal de cruz feito com cascarilla pela madrinha e, nesse ponto, tiveram que girar no sentido anti-horário. Enquanto Leo as limpava com o frango, o padrinho soprava fumaça de charuto sobre elas e expelia aguardente sobre seus corpos. O ritual transcorreu em meio a cantos em iorubá. Quando todos passaram, o sangue do pescoço do animal foi derramado na cova. Em seguida, cada pessoa pegou um pouco do conteúdo dos pratos e realizou a própria limpeza — primeiro as mulheres; depois os homens —, mantendo sempre a ordem hierárquica. A purificação começava pelos olhos, seguia para a cabeça e depois para o resto do corpo, com movimentos circulares e cruzados para fora das mãos. A cada gesto, lançávamos o conteúdo no buraco e passávamos para o próximo prato, até que todos tivessem completado o circuito das oferendas. O que sobrou foi também depositado no buraco. Depois, recebemos um pouco de água em nossas mãos e fizemos o mesmo gesto de purificação. Por fim, pegamos um punhado de terra nas mãos, erguendo-as para o céu e pedindo a bênção a Olofi; lançamos a terra no buraco e, com uma pá, cobrimos até que estivesse completamente cheio. A cerimônia tinha acabado. Saímos do local, deixando para trás a vela acesa, que ia sendo consumida como única testemunha do ritual realizado.
Depois do meio-dia, chegamos em casa; naquele momento, a madrinha Gladys começou a sentir uma forte dor de cabeça e angústia. Logo, ela relacionou esse sentimento a um esquecimento fundamental, que tinha sido anunciado no meio da cerimônia, quando obí foi questionado27 se todas as coisas estavam em ordem para a realização do ritual e ele tinha jogado uma carta ou odu denominado Okana. A interpretação disso tem múltiplas possibilidades; nesse caso, pensava-se que tinha faltado alguma oferenda aos santos para alimentar a terra e, embora após uma série de perguntas tenha sido possível continuar, Okana encerrava outra coisa. Em cada um dos odu, certos orichas ou eggun falam. Assim, em Okana, as divindades que se expressam são Elegguá, Oggún, Changó, Aggayú, Oyá e Olokun, e, além delas, o eggun. A omissão foi que não se fez saber ao eggun Ta José Siete Rayos — eggun de Gladys e guia espiritual que governa o ilé — sobre a realização da cerimônia daquele dia28. Rapidamente, a madrinha pediu desculpas pelo erro cometido, ofereceu algumas flores, acendeu uma vela, soprou aguardente e todos nós lhe entoamos alguns cantos (Figura 21). Por fim, quando perguntado se estava satisfeito e se tinha desculpado o deslize, ele respondeu por meio dos chamalongos que tinha. Depois de um tempo, a santera cubana começou a se sentir melhor.

Figura 21. Conhecimento tardio de Ta José. Fonte: elaboração própria. Havana (Cuba), 2013.
Assim, a oferenda daquela manhã de janeiro tinha como objetivo agradecer, limpar, pedir saúde e prosperidade para cada um dos membros do ilé no início do ano e, além disso, estar em conformidade com o que foi estabelecido por Obbara-Ika, odu regente determinado na Carta do Ano29, que anunciava o governo das divindades Oricha-Oko e Ochún. A profecia do odu afirmava: “Ire ariku yale tesi timbelaye lese orichas” (“Um bem de saúde escrito, decretado na Terra, que será proporcionado por todos os orichas”). Entre os vários alertas, dois chamaram a atenção para fatores ambientais:
Disse Ifá: Que devemos estar atentos aos acontecimentos: climatológicos, econômicos, sociais, familiares e de qualquer outro tipo que possam mudar substancialmente nosso modo de vida.
Disse Ifá: Que as mudanças climáticas que vêm acontecendo há vários anos continuarão ocorrendo e, em alguns casos, se tornarão mais agudas. (ACYdC, 2013; tradução livre)
As recomendações em torno do meio ambiente, a cada ano que se inicia, parecem se manifestar, infalivelmente, a partir das diferentes previsões que surgem nas várias casas ao redor do mundo. Agora, como sugerido na seção anterior, os relacionamentos entre pessoas, entidades espirituais e natureza podem ser expressos de maneira heterogênea. Insisto que não se trata de visões diferentes do mundo, mas sim das formas nas quais diferentes mundos são habitados que emergem de condições de possibilidade.
Cena 1. Olhares distorcidos, a escavadeira e os 101
Quero apresentar um evento que me foi indicado em 2012 por um babalawo colombiano enquanto eu fazia trabalho de campo na galeria Alameda em Cali. Trata-se de um espaço que funciona principalmente como mercado e no qual, além disso, existem inúmeros locais para a venda de insumos para diversas práticas religiosas. No entanto, sem dúvida, destacam-se aqueles que se dedicam ao comércio de matérias-primas para serem utilizadas nas religiões de inspiração afro. O babalawo, lembrando-me, contava sobre a existência de um grande templo ao sul da cidade, que existiu durante os anos 1990:
Um dos grandes, Chucho Sarria30, na década de 1990, esteve envolvido nisso; ele não era de Cali, mas sempre esteve aqui [...]. O templo de Ciudad Jardín deveria ser para onde iam toda a gente da pesada da Colômbia, aqueles eram os babalawos da classe alta. Quando houve não sei que guerra, esse homem ia ser morto e viajou para a África; quando voltou, fez uma cerimônia para a paz e união dos narcotraficantes, alimentou a terra, eles tiveram que abrir um buraco enorme com escavadeira, 101 cabras, 101 galos, 101 pombos. (Entrevista com Nelson Cardozo†31, Cali, Colômbia, 2012; tradução livre)
A questão subjacente, para além da forma anedótica como Nelson se referiu a essa experiência, evidencia nesse ritual — em contraste com o acima narrado — uma tentativa de Sarria de afastar a ameaça de morte que pairava sobre ele, em consequência de uma dívida adquirida com alguns dos membros do cartel, e, além disso, um “esforço” para dissolver a guerra que estava acontecendo entre os cartéis. A violência sacrificial surgiu como um mecanismo para desviar a violência indiferenciada (ver Girard, 1972/2005).
Dessa forma, a ação de alimentar a terra, que é fundamentalmente uma cerimônia do complexo ocha-ifá, por meio da qual se busca renovar o equilíbrio entre pessoas, natureza e seres ancestrais, adquiriu aqui conotações desproporcionais. A magnitude e a intensidade da violência daqueles anos exigiam — do mundo habitado por aqueles que a engendravam — um ato sacrificial de proporções semelhantes, capaz de enganar a morte. Uma exibição do excesso e da ostentação característicos do narcotráfico colombiano. Para Alexis Romero32, babalawo cubano que chegou à Colômbia por volta de 2009, o que aconteceu em Cali evidenciou uma práxis religiosa distorcida, que pouco ou nada tinha a ver com a lógica ocha-ifá:
Alimentar a terra é uma forma de limpeza, onde muitas pessoas fazem isso ao mesmo tempo; é algo que deve ser feito pelas famílias, para evitar mortes e outros tipos de situações difíceis. Isso deve ser feito anualmente, porque é uma cerimônia boa, forte e delicada. Por quê? Porque se você alimenta periodicamente a terra, chega um momento em que ela fica saturada e ela lhe dirá “Não preciso mais dessa comida, preciso da sua presença”. Por que se faz isso todos os anos? Porque dentro do ano qualquer membro da sua família pode morrer ou você mesmo; para evitar isso, você reúne a família e alimenta a terra [...]. Há religiosos que a fama sobe na cabeça e querem se achar os melhores, chegando a esse exagero; acham que, por ter muito, o trabalho é mais poderoso. Um trabalho pode ser poderoso com um copo d’água, uma vela e um charuto; é aí que a maioria de nós, os babalawos, pode se perder. O 101 é algo que deve ser interpretado. Orula não marcaria esse exagero. (Entrevista, Bogotá, Colômbia, 2014; tradução livre)
Poderíamos pensar que esse último alimento à terra, a que aludiu a narrativa de Alexis, é produto das transformações sofridas por esses sistemas religiosos em seus processos de transnacionalização ou diáspora. No entanto, havia muitas outras experiências que contrariavam essa ideia. Por exemplo, em uma cerimônia de alimentar a terra em Anapoima, para a qual fui convidado em março de 2017, distinguiu-se especialmente do que aconteceu em Cali, pois seu objetivo era apenas agradecer a terra pelo que foi concedido aos membros daquela casa religiosa durante 2016. Claro, a intenção era se limpar e pedir a continuidade do desenvolvimento espiritual-material em geral. Na prática, essa cerimônia se desenvolveu de forma semelhante àquela que presenciei em Cuba (Figuras 22 e 23).

Figura 22. Jorojoro e oferendas prontas. Fonte: elaboração própria. Anapoima (Colômbia), 2017.

Figura 23. Limpeza para não ser levado antes do tempo. Fonte: elaboração própria. Anapoima (Colômbia), 2017.
Talvez outra diferença significativa — agora entre Cuba e Colômbia — se refira ao fato de ter acesso ao local onde a cerimônia aconteceria. Na cerimônia de alimentar a terra em Havana, o deslocamento foi feito por meio de uma curta caminhada que durou cerca de 10 minutos. O setor em que estávamos localizados fazia parte dos setores administrativos (distribuciones) que se encontram na capital cubana e que geralmente são áreas intermediárias entre o urbano e o rural. Por sua vez, no caso da Colômbia, significou para a maioria dos participantes uma viagem de aproximadamente 90 quilômetros —Bogotá-Anapoima—, com duração entre duas horas e meia e três. Fizemos a viagem em carros e motos, nos quais carregamos todos os mantimentos necessários para realizar a cerimônia. O espaço a que fomos foi uma chácara particular dos pais de um dos praticantes. Voltarei a essa questão do acesso e do espaço nas conclusões, pois, por enquanto, basta dizer que tal situação envolve dificuldades características dos religiosos que vivem na diáspora ou de pessoas que realizam práticas religiosas que não fazem parte da tradição cultural na qual são reinstaladas. Wilson e Daniela lembraram:
Wilson: Foi um oferecimento que fazemos todos os anos à terra para agradecer o que entra em nossas bocas, para que nunca nos falte comida. Então, geralmente, fazemos isso uma vez no início ou no final do ano, é dizer para ela “Hey, obrigado”, para que continue a nos sustentar. Nesse caso particular, não tem relação com o que está disposto na Carta do Ano; trata-se, antes, de algo semelhante ao que os povos indígenas fazem com a Pachamama: alimentam a terra para que ela continue a produzir seus frutos. Fazemos isso em gratidão a Oricha-Oko. Primeiro alimentamos o Elegguá; depois, concentramos nossas oferendas em Oricha-Oko, dono da terra, do arado, de tudo o que nela germina. Em sincretismo, ele corresponde a São Isidro Labrador. Haverá pessoas que farão diferente, eu faço assim... (Entrevista, Bogotá, Colômbia, agosto de 2022; tradução livre)
Daniela: E você também se limpa naquele buraco para não ir antes do tempo. Você sabe que às vezes esse destino da vida terrena é abreviado, por bruxaria, más intenções, tudo o que não deveria alcançar seu destino de vida, mas que pode chegar. Então, “não vamos para esse buraco antes do tempo” e, portanto, no final, ele é fechado novamente. (Entrevista, Bogotá, Colômbia, agosto de 2022; tradução livre)
Por fim, para além das variações entre os diferentes territórios das práticas, das intenções que são perseguidas, da forma como são abordadas, o que se evidencia é a formação de uma complexa rede de relações e práticas entre mundos. Longe de ser considerada uma relação puramente transcendente, torna-se materializações que colocam uma intensa preocupação com o aqui e agora. Essas concreções das conexões que se entrelaçam entre pessoas-não pessoas-mundos não estão isentas de tensões e contradições, ainda mais quando esses sistemas religiosos são explorados fora de seus locais de origem.
A título de conclusões
Muito antes de se tornar majá e tomar o rumo do mar — um mar que não era percebido nem pela fúria das ondas batendo nos recifes, nem pelo cheiro de salitre suspenso no ar espesso, incapaz de se manifestar em uma brisa —, Nicolás já acreditava no fogo.
Em seu cérebro de réptil, com seus pensamentos reptilianos, ele conseguiu entender, com o último fragmento fugidio de clareza humana, que, se ele tinha se transformado de homem em majá, era por razões diversas e bastante numerosas.
James Figarola (2007, p. 9; tradução livre)
As experiências e narrativas de ocha-ifá apresentadas ao longo deste artigo sobre as relações ambientais entre humano-não humano são tensas e, por vezes, contraditórias na medida em que resultam da coexistência e da colisão de mundos diferentes. No entanto, essas tensões e oposições não negam as interconexões que existem para os religiosos, as quais eles habitam por meio de um dizer-fazer em sua cotidianidade. Além disso, há o mundo que eles habitam a partir das novas tradições em que estão inseridos, no qual sua pessoa e sua agência provêm da multiplicidade de relações que os atravessam e que, por sua vez, eles próprios difundem no mundo, numa tentativa de equilíbrio e de saberes que constituem apenas uma ínfima parte do universo. O ser e o estar no mundo desses praticantes é vivenciado em um devir de interconexões entre pessoas, entidades, transcendente e natureza, sem que qualquer uma dessas agências se sobreponha ou prejudique as demais.
Como insinuado, após os processos de consagração ou iniciação, são produzidas desarticulações e reconfigurações da pessoa. Nesse sentido, a pessoa iniciada pode se tornar um ancestral e/ou oricha, natureza animal, vegetal ou mineral, não necessariamente nessa ordem. Essas relações íntimas podem ser vivenciadas em maior ou menor grau na santería-ifá, mas também irrompem com força no palo monte, em que, grosso modo, o tata ou yayi se torna nfumbi e o nfumbi se torna seu protegido; ou no espiritismo cruzao, em que o/a espírita se torna seu guia espiritual e aquele se torna seu protegido; ou no vodu cubano, em que o houngan ou mambo se torna seu lwa e vice-versa. É evidente que cada pessoa dentro desses sistemas religiosos passa por múltiplos devires, como os mencionados para a santería-ifá. Questões ainda precisam ser resolvidas sobre como estes estão inter-relacionados, como eles fazem isso entre sistemas religiosos, se eles se contradizem e, se sim, como as relações entre pessoas, seres transcendentes e natureza são afetadas.
Além disso, para os praticantes do ocha-ifá, há outro mundo em que vivem simultaneamente, regulado por uma visão pragmática da natureza, fruto de lógicas de mercado e de uma imposição do homem sobre a natureza, concordante, em parte, com as lógicas religiosas judaico-cristãs33, que também habitam como consequência de processos de socialização precoce e de residir em um país fortemente marcado por essas tradições:
Então disse Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre o gado, sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se move sobre a terra”. [...] E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: “Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a. (Bíblia Almeida revista e corrigida, 1993, Gên. 1:26, 1:28)
No entanto, e isso é extremamente importante, os praticantes da santería-ifá habitam simultaneamente esse outro mundo, pois a seu mesmo sistema é intrínseca a existência do judaico-cristianismo. Em particular, o catolicismo fez e faz parte do processo de estruturação desse sistema religioso que conhecemos hoje como santería cubana. Com isso dito, parece então que essas contradições e paradoxos que tento transmitir podem não ser inteiramente precisos; talvez esse não seja o caminho adequado para pensar sobre esses sistemas religiosos diaspóricos. Como apontei na seção introdutória, as religiões de inspiração afro caracterizam por seu alto grau de plasticidade. Trata-se — seguindo o argumento de Deleuze e Guattari (1980/1997) — de sistemas abertos, ou seja, rizomáticos, que se aninham na multiplicidade. Ao falar de ocha-ifá e de outras práticas religiosas como um sistema aberto, quero enfatizar que elas não podem ser entendidas por causalidades lineares, já que sua conceituação não responde a essências, mas sim a circunstâncias. E a multiplicidade não resulta, como apontam esses filósofos franceses, do acréscimo ou da soma de elementos, mas sim da subtração destes (Deleuze e Guattari, 1980/1997).
Portanto, ao explicar as relações humano-não humano e natureza, que emergem do ocha-ifá, parece que as maneiras pelas quais os religiosos habitam o mundo ou os mundos entram em contradições. E é que, em meio à exigência explicativa, posso estar instalando uma separação que não ocorre na práxis religiosa, ao interpretar esses relacionamentos entre sistemas como se fosse uma questão de nós/outros, ou seja, criando uma alteridade radicalizada, pois considero que as religiões judaico-cristãs e as de inspiração afro, apesar de suas dinâmicas sincréticas, são contrapostas em seu dizer-fazer. Volto à cerimônia de alimentar a terra — na versão que busca restabelecer o equilíbrio entre as pessoas e o meio ambiente e/ou que deseja agradecer pelos dons recebidos. Aqui, o que se subtrai é o “enchei a terra, e sujeitai-a”, ou seja, o que se suspende ou se subtrai é a forma como, a partir do habitar a linguagem judaico-cristã, propõe-se seu vínculo com a terra. Isso não implica o desconhecimento da existência e a importância dessa tradição religiosa dentro da santería-Ifá por parte dos praticantes.
Alimentar a terra dentro desse sistema religioso tende à reciprocidade das interconexões pessoas-não pessoas-natureza; retribuir-lhe é tentar garantir que continuará a nos abrigar e nos prover bens que sustentem a vida. Esse ato engendra ou melhor assegura que o aché (axé) continue circulando perenemente. O aché é a força cósmica vital que habita e inunda tudo o que existe — as pessoas, a natureza, os orichas, a palavra, como dizem os religiosos “tudo tem aché” (ver Barnet, 1995; Castro Ramírez, 2018a; Fernández Martínez e Potts, 2011). Essa cerimônia ou a do nangareo que mencionei, embora haja outras a mencionar, mostram que, dentro da prática do ocha-ifá, não se trata de um nós/outro/outros: os mundos em que habitamos são configurados a partir de uma nós-idade, de uma totalidade ininterrupta. Pois bem, se dentro desses sistemas religiosos somos um todo indivisível, caberia a questão de saber se é possível cuidar da natureza. Isso na suposição de que “não se pode tomar conta de algo, argumenta-se, a menos que se esteja separado dela” (ver Bird-David et al., 2019; nesse mesmo texto, comentários de Pálsson a Bird-David et al., 2019, p. 144; tradução livre).
Em meio ao argumento esboçado nestas páginas, surgem diversos problemas a serem resolvidos — alguns já indicados anteriormente nesta seção — em torno da pergunta inicial do texto, que se refere a como ocorrem as relações humanos-não humanos. Quero destacar dois deles, sugeridos ao longo do artigo. O primeiro se refere às condições espaciais e geográficas em que as práticas religiosas são desenvolvidas. Para além dos inconvenientes de se tratarem de religiões em diáspora, vale a pena perguntar como essas práticas se transformam em cenários urbanos ou rurais. Tomando como ponto de partida as narrativas e experiências dos religiosos aqui abordados, parece inegável que as conexões com o ambiente e a forma como seu fazer religioso é realizado são significativamente afetadas. O segundo ponto, que merece atenção por sua sensibilidade e pelos debates acalorados que suscita, diz respeito às relações entre pessoas e animais. Embora tenha sido proposto que essas relações possam ser relativamente horizontais e harmoniosas, existe, concomitantemente, um complexo sistema sacrificial que faz parte integrante do complexo ocha-ifá e das demais religiões de inspiração afro. Esse questionamento se conecta, ao mesmo tempo, com discussões ambientais e animalistas na esfera jurídica, que inevitavelmente entram em conflito com a liberdade de culto e de consciência estabelecida na Colômbia, bem como nos demais países em que esses sistemas religiosos se estabeleceram.
Finalmente, este texto foi apenas uma desculpa para, como foi dito no início, “abrir conceitos”. Como afirma Deleuze, “os conceitos não são dados prontos, eles não preexistem: é preciso inventar, criar os conceitos, e nisso há tanta criação e invenção quanto na arte ou na ciência” (1992/2008, p. 45). Assim, o que aqui se discutiu foi uma tentativa de despertar e abrir ideias, de ver o que havia dentro delas, a fim de repensar esses sistemas religiosos de inspiração afro em suas segundas diásporas — sistemas que, apesar de sua ampla disseminação por diferentes geografias, ainda apresentam muitas dimensões a serem consideradas no mundo contemporâneo.
Agradecimentos
Agradeço aos/às religiosos/as que, como sempre, aceitaram compartilhar seus conhecimentos comigo. Espero que, de alguma forma, suas ideias se vejam refletidas neste artigo. Agradeço aos que avaliaram este manuscrito, por seus comentários gentis e importantes, que contribuíram para torná-lo mais claro e consistente. Estendo ainda meus agradecimentos à revisora de texto e à tradutora. Por fim, agradeço à Naturaleza y Sociedad. Desafios Medioambientales, por me permitir participar desta edição como autor.
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* Sobre a tradução. Este artigo foi traduzido para português por Roanita Dalpiaz, graças aos fundos concedidos pela Vice-Reitoria de Pesquisa e Criação da Universidad de los Andes (Colômbia), por meio da chamada para a tradução de artigos para publicação em Revistas Uniandes (2025). Sua publicação original foi em espanhol: Castro Ramírez, L. C. (2022). Habitar mundos humanos-no-humanos en el complejo santería-ifá: relacionamientos medio-ambientales y flujos diaspóricos Colombia-Cuba-México. Naturaleza y Sociedad. Desafíos Medioambientales, 3, 112-155. https://doi.org/10.53010/nys3.06. O autor agradece ao editor Cristian Yasser Martínez Rodríguez da revista Naturaleza y Sociedad. Desafíos Medioambientales a seleção do presente artigo para ser levado a uma segunda língua. Além disso, agradece a excelente e cuidadosa tradução de Roanita Dalpiaz deste texto a português.
Sobre este artigo. O artigo aqui apresentado foi preparado para o terceiro número da Naturaleza y Sociedad. Desafíos Medioambientales. As informações coletadas entre 2012 e 2015 foram financiadas pelo Departamento de Antropologia da Universidad de los Andes (Faculdade de Ciências Sociais) e Colciencias-Colfuturo por meio da Chamada 528 de 2011, Chamada Nacional de Estudos de Doutorado na Colômbia. A continuação da pesquisa sustentada desde o final de 2015 foi financiada com recursos próprios.
** Luis Carlos Castro Ramírez. Doutor e mestre em Antropologia pela Universidad de los Andes (Colômbia); sociólogo pela Universidad Nacional de Colombia. Editor de Antípoda. Revista de Antropología y Arqueología, Universidad de los Andes (Colômbia). Publicações recentes: Trance-posesión en Colombia. Manifestaciones diaspóricas en las religiones de inspiración afro (2022, Lasirén Editora); e “Consideraciones alrededor del patrimonio religioso: el caso de la santería cubana y el espiritismo cruzao en la diáspora” (2022, em Reporte técnico. Trascendencia en el patrimonio religioso sudamericano, pp. 157-161, G. M. Viñuales [coord.], Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [Unesco], Oficina Regional de Ciências da Unesco para a América Latina e o Caribe, Unesco Montevidéu, https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000381403). https://orcid.org/0000-0002-1212-7856; olofidf@gmail.com ).
1 Normalmente, vou manter a escrita santería-ifá ou ocha-ifá para apontar a intrincada relação iniciática e ritual que ambas possuem, ambas de substrato iorubá, não podem ser pensadas separadamente, já que seu corpo de crenças é o mesmo, embora com variações dos ramos religiosos de onde podem proceder. No entanto, cada um desses sistemas possui processos iniciáticos, rituais e uma especialização religiosa que os separará ou os fará convergir, e aos quais não me referirei, pois não contribuiriam substancialmente para a discussão deste artigo. A esse respeito, ver Cabrera (1954/2006), Castro Ramírez (2010 e 2015), Fernández Olmos e Paravisini-Gebert (2003) e Matibag (1996).
2 De modo geral, embora se admita que esses sistemas religiosos tenham sido produzidos nas Américas e no Caribe, eles são considerados produtos de dinâmicas diaspóricas em que os principais substratos religioso-culturais são africanos. A referência às segundas diásporas indica que esses sistemas, uma vez instalados em lugares como Cuba, Brasil ou Haiti, abandonaram posteriormente esses lugares originais e se estabeleceram em novas geografias. Esses rearranjos envolvem continuidades e rupturas, isto é, são reproduzidos e tensionados com as lógicas dos lugares de recepção, como será visto a seguir.
3 Quando necessário, farei alusão outros sistemas religiosos de inspiração afro, considerando que, embora haja independência cosmológica (Espírito Santo, 2013) e ritual entre eles, no caso cubano, também é evidente que essas “terras”, como diriam os/as religiosos/as, estão intimamente ligadas. “Terras” refere-se ao local de origem de cada sistema religioso; assim, fala-se, por exemplo, em terra iorubá ou terra arará. Dessa forma, não se trata apenas de um espaço geográfico, mas sim de um território construído por práticas e saberes diversos que fluem entre fronteiras. Além disso, reconhece-se o dinamismo das práticas, pois o religioso não é estático, tampouco um fato acabado ou fechado em si mesmo.
4 Embora eu reconheça a importância e concorde com o uso da linguagem diferencial, não vou usá-la sistematicamente para manter a fluidez, já que esta não é uma discussão que gira em torno de gênero. Aproveito também para salientar que, no caso dos conceitos principais, a terminologia das línguas iorubá ou bantu ou os usos especiais da parafernália religiosa será apresentada em itálico apenas na primeira vez que forem usados. Ainda que existam algumas semelhanças em termos próprios da prática dos sistemas religiosos de inspiração afro em Cuba e no Brasil — principalmente entre a regla de ocha-ifá e o candomblé —, de suas divindades e seus sistemas divinatórios, entre outros aspectos, que derivam de um substrato cultural comum — o yoruba —, pedi à tradutora e ao editor da revista que me permitissem mantê-los, em vários casos, em espanhol ou em yoruba espanholizado e que não fossem traduzidos. Isso porque as semelhanças fonéticas ou ortográficas nem sempre coincidem em seus sentidos e significados, o que se deve a processos históricos e socioculturais marcadamente diferentes.
5 Vou me referir em detalhes à dinâmica e compreensão dessas experiências rituais mais adiante.
6 A partir de 2012, comecei a receber consagrações e iniciações dentro dos diferentes sistemas religiosos cubanos, o que me permitiu maior participação em cenas rituais às quais eu não tinha acesso até aquele momento.
7 Acompanho de perto o argumento de Keller (2002), que se distancia da concepção do agente como epítome da racionalidade e do agir cotidiano orientado pela tomada de decisões com relação a fins. Em outras palavras, “falar de agência instrumental é entender que a pessoa, em suas ações, é compelida por diferentes eixos ou dimensões de natureza social, cultural, política e econômica e, portanto, ser agente deve ser pensado dentro de marcos de relações sociais” (Castro Ramírez, 2022, pp. 129-130; tradução livre). Na discussão que desenvolvo aqui, acrescento que, a essas dimensões, soma-se uma dimensão transcendente.
8 Em algumas casas religiosas santeras, o oricha tutelar e o odu são determinados por meio do sistema oracular chamado “diloggún”, composto por caurís (búzios rituais ou caracoles), que são lançados em uma esteira e interpretados por um obba ou um oriaté, especialistas religiosos de alto nível em santería. Essa prática é fortemente criticada pelos religiosos que afirmam que a forma correta de determinação só pode ser realizada pelo babalawo, sob a orientação de Orula, divindade equânime ao determinar o oricha regente.
9 Em ifá, são utilizados dois tecnologias divinatórios, o ékuele e os inkin. Em ambos, geram-se 16 odu principais, cujas combinações resultam em 256 odu possíveis (Castro Ramírez, 2010). O ékuele é empregado em consultas e registros cotidianos, enquanto o uso dos inkin é reservado para cerimônias de consagração, iniciação ou para determinar a Letra del Año (Carta do Ano), à qual me referirei mais adiante.
10 Estabeleço a diferença entre cerimônias de consagração e de iniciação: as primeiras são ritos de passagem que, embora conectem a pessoa à prática religiosa da santería-ifá, não implicam que ela esteja iniciada. A iniciação ocorre apenas quando passa pela cerimônia conhecida como “fazer o santo” (kariocha, yoko ocha), também denominada “assentamento” ou “coroação do santo”. Nesse momento, a pessoa é considerada santera ou santero; antes disso, era chamada de “aleyo”, termo que designa quem participou de outros rituais, mas ainda não é um especialista religioso. Da mesma forma, no ifá cubano, reconhece-se que alguém foi iniciado quando fez ifá, isto é, passou pela cerimônia correspondente, tornando-se babalawo. Ser santera, santero ou babalawo indica que a pessoa é capaz de reproduzir o sistema religioso ao qual pertence e dar continuidade à tradição.
11 Coloco essa relação entre aspas, pois, segundo a lógica religiosa interna, quem passa pela mão de Orula só adquire padrinhos; contudo, na maioria das casas religiosas, o babalawo pode estar casado com uma santera, uma apetebí de Orula, que costuma participar — embora indiretamente — dessa cerimônia, e é comum que a pessoa iniciada reconheça sua familiaridade com ela. A formação de uma família para além da consanguinidade é consubstancial aos sistemas religiosos de inspiração afro (ver Castro Ramírez, 2016b, 2017 e 2018a; Ortiz Martínez e Castro Ramírez, 2014).
12 Resumidamente, para alguns religiosos, o oricha tutelar não é visto como mãe ou pai, mas sim como uma entidade protetora. Nesse ponto da trajetória religiosa, apenas o principal oricha (feminino ou masculino) será conhecido. Se a pessoa prosseguir em sua jornada, será durante o kariocha que terá conhecimento do/a companheiro/a, formando-se, em qualquer caso, um casal.
13 Qualquer pessoa interessada em se aprofundar nas caracterizações dos diferentes orichas pode ver Barnet (1995), Bolívar Aróstegui (1990), Cabrera (1954/2006), González Pérez (2014), Lele (2006), Matibag (1996), entre outros.
14 O ebbó e o addimu são oferendas feitas aos eggun ou aos orichas. O primeiro geralmente se refere a sacrifícios de animais, enquanto o segundo se refere a oferendas como frutas, bebidas, comida ou presentes, como velas, objetos, dinheiro. Ambos dependem das preferências das entidades espirituais que estão sendo servidas. Além disso, o ebbó, entendido como sacrifício, pode apontar para a renúncia por parte do ofertante de seus interesses, confortos, desejos e para a mesma dificuldade que pode implicar o cumprimento com qualquer entidade. O ebbó e o addimu contêm intenções por parte do praticante que podem levar à diferenciação desse dizer-fazer, por exemplo, podem ser consumados como um presente para agradecer, limpar, proteger, defender ou atacar (ver Castro Ramírez, 2011).
15 A rogação da cabeça, grosso modo, é um ritual destinado a “refrescar” o ori (cabeça), ou seja, esclarecer e limpar o pensamento de más energias, que podem causar desequilíbrio e desconforto.
16 O termo refere-se ao especialista religioso que fez santo e que mais tarde fez ifá.
17 Dengué ou sará ekó é uma bebida composta quase sempre de ekó (farinha de milho), leite, açúcar branco, omí (água), oñi (mel), otí (aguardente), orí (cacau), efún (casca) e ewé dudu (planta conhecida em Cuba como “prodigiosa”, utilizada em banhos e preparações rituais).
18 Esta é uma tradução aproximada do moyuba feita em iorubá, que trago neste texto para oferecer ao leitor uma compreensão mais próxima do que, em muitas ocasiões, os praticantes mais jovens tendem a repetir de forma mais ou menos mecânica. A compreensão das rezas e dos cantos é um processo gradual que demora muitos anos, que anda de mãos dadas com o complexo aprendizado do “fazer”. No entanto, não se trata de aspectos isolados, mas de um ritual de dizer-fazer: “a palavra pronunciada na cena ritualística não é um simples enunciado do mundo nem um ato simbólico que dirige a voz para um mundo transcendente, e que, enquanto intangível — ‘imaginário” —, torna-se um poder não real. Aqui, a palavra falada é uma ação transformadora do mundo fenomênico que habitamos, que repercute e vai mais além da cena ritual” (Castro Ramírez, 2018a, p. 3; tradução livre).
19 Também chamado de nfumbi, fumbe, fumbi, trata-se do morto com o qual o iniciado em palo monte faz um pacto (ver Castro Ramírez, 2016b; James Figarola, 2001, 2006; Kerestetzi, 2015; Ortiz Martínez e Castro Ramírez, 2014).
20 Da mesma forma, referido como caldeirão, fundamento, nkisi, enganga, caçarola ou ganga; é a base de poder em torno da qual toda práxis religiosa ocorre dentro do palo monte. Ritos de vida e morte, trabalhos e obras são realizados diante desse caldeirão sagrado. Pode-se afirmar, portanto, que ele constitui um microuniverso místico e social (ver Castro Ramírez, 2016b e 2022; Cunha, 2013; Espírito et al., 2013; James, 2006 e 2012; Kerestetzi, 2015; Ortiz Martínez e Castro Ramírez, 2014).
21 Uma das relações fundamentais, presente em todos os sistemas religiosos de inspiração afro e ainda não abordada aqui, diz respeito aos fenômenos de passar, montar e encostar, que a literatura acadêmica costuma designar “fenômenos de transe-possessão” (no caso desses sistemas, ver, entre outros, Cabrera, 1954/2006; Castro Ramírez, 2010 e 2022; Deren, 1953/1970; Fernández Olmos e Paravisini-Gebert, 2003; James Figarola, 2001, 2006; Matibag, 1996).
22 Pseudônimo.
23 Nesses locais, geralmente são deixados trabalhos realizados a eggun.
24 É a região com maior extensão urbana dentro da divisão político-administrativa da capital colombiana, localizada a noroeste de Bogotá; em Suba, convergem propriedades urbanas e rurais.
25 Quero indicar uma transformação da lição que Baró nos dá em termos dessa relação respeitosa entre pessoa e mata — pessoa e natureza. Na atualidade, a experiência dos religiosos pode inevitavelmente diferir, na medida em que a obtenção do ewé (plantas, ervas, gravetos) não costuma ser feita dessa maneira, especialmente para quem mora na cidade. Dessa forma, a obtenção de matéria vegetal é mediada por quem comercializa as plantas; essas pessoas se tornam intermediárias. Assim, o praticante paga ao yerbero, e não ao mato; ele pede o “favor” ao comerciante, e não às espiritualidades que habitam a natureza. As perguntas que permanecem são: Isso é suficiente? É suficiente para que as propriedades das plantas sirvam aos propósitos religiosos necessários? Pois bem, o problema não é apenas a cidade e a dificuldade de obter o que é necessário; a complicação também está subjacente à ignorância de muitos religiosos em assuntos do mundo das plantas. É claro que tal situação é mais perceptível nas segundas diásporas. Novamente, embora o que tenha sido apontado possa ser pensado como contraditório — no mínimo paradoxal — em relação ao que argumento como a persistência da busca do equilíbrio pessoa-meio ambiente dentro desses sistemas, não é; é apenas mais uma linha que se configura e se escapa na própria complexidade dos sistemas religiosos de inspiração afro.
26 Na tradição cubana de ifá, o kofá — ao qual me referi anteriormente — é a maior consagração que as mulheres recebem. A recepção dessa consagração as transforma imediatamente em apetebís; contudo, a mulher que se casa com um babalawo deve passar por uma cerimônia adicional, a de apetebí ayafá — há quem considere que a mãe deve ser a apetebí ayafá, e não a esposa; essa cerimônia, embora não permita que a mulher consulte através do sistema oracular de ifá, permite que ela atenda ao Orula do babalawo, mas ela não está autorizada a manipular o que reside dentro desse oricha.
27 Nos sistemas religiosos de inspiração afro, existem diferentes mecanismos de comunicação com as entidades transcendentes; os mais importantes são os fenômenos de montar ou passar (transe-possessão) e os sistemas divinatórios. Assim, na santería-ifá, existem — os já mencionados — obí, diloggún e ifá, e, em palo monte, os chamalongos. Esses sistemas divinatórios tornam-se tecnologias terapêuticas, através das quais o mundo fenomênico em que habitamos pode ser determinado e intervencionado. Todos eles têm uma série de odu que são acompanhados por patakís, provérbios e prescrições que fazem emergir algumas outras formas de habitar a linguagem e, por extensão, o mundo, e nas quais as interconexões pessoas-espiritualidades-natureza podem ser apreciadas (Castro Ramírez, 2008 e 2010).
28 De forma sucinta, a noção de guia espiritual deriva do espiritismo cruzao — uma prática religiosa que se articula com santería e palo monte. Assim, todas as pessoas vêm ao mundo com um conjunto de espíritos familiares e não familiares que as governam e acompanham. Esse conjunto é chamado de “cordão espiritual” ou “quadro espiritual”. O guia é o espírito mais forte dentro do cordão, ele o governa e administra, sua personalidade é a que mais fortemente influencia a personeidade do praticante (Castro Ramírez, 2017 e 2022).
29 No final de cada dezembro, um grupo de babalawos cubanos e de outros países-membros da Asociación Cultural Yoruba de Cuba (ACYdC) se reúne em Havana para determinar o odu — através do sistema divinatório de ifá —que governará durante o ano seguinte na ilha e no resto do mundo. Isso é conhecido como a Carta do Ano (Letra del Año). A partir do odu, pretende-se especificar as condições socioculturais, políticas, econômicas, ambientais etc. que influenciarão o novo período que está começando. A Carta mostra quais são os orichas regentes e, como qualquer odu de ifá, os provérbios e recomendações que se manifestam com eles, os insumos que devem ser oferecidos para alcançar o equilíbrio. Há pelo menos três décadas, essas previsões também são feitas em outros lugares do mundo, onde existem filiais da ACY, por exemplo, Estados Unidos, Chile, México, Venezuela, Espanha, Itália (ACYdC, s.d.; Argyriadis, 2005; Castro Ramírez, 2015). Mesmo na Colômbia — apesar da inexistência de tal sociedade endossada pelos religiosos de ifá em Cuba —, geralmente é determinada em várias casas religiosas em todo o país.
30 Jesús Amado Sarria, conhecido como “Chucho Sarria”, é um ex-policial nascido no município de Cauca, em Buenos Aires (Colômbia), acusado de ser membro do cartel Norte del Valle. Seu nome também ficou conhecido por ser o marido de Elizabeth Montoya de Sarria, “La Monita Retrechera”. Ambos ficaram famosos como resultado das conversas entre este último e o ex-presidente colombiano Ernesto Samper em 1994, quando as gravações dessas conversas foram divulgadas em 1995 e, junto com outras evidências, dariam origem ao notório Processo 8.000, que apontava que a campanha de Samper tinha recebido financiamento dos cartéis de Cali e Norte del Valle. Em 1996, Elizabeth Montoya foi assassinada ao norte da capital no apartamento de alguns religiosos cubanos, onde estava para a realização de algumas cerimônias.
31 Pseudônimo. O religioso foi assassinado em 2016 enquanto entrava em sua casa em Cali.
32 Pseudônimo.
33 Aqui opera a distinção dicotômica cultura/natureza, e isso, além das tentativas de outras comunidades e de todos os argumentos socioantropológicos que podem ser apresentados, na tentativa de descentralizar, desinstalar e desconstruir essa compreensão do mundo. É claro que existem contra-respostas às visões ontológicas que vêm da academia ou de outras visões judaico-cristãs que se cruzam com elas (ver, por exemplo, Whelan et al., 1999).