Usos e abusos da IA no processo contemporâneo de Landnahme*
Danielle do Nascimento Rezera
Universidade Federal de São Paulo, São Paulo (Brasil)
https://orcid.org/000-0002-1811-8387
Agenor Bevilacqua Sobrinho
Universidad de São Paulo
https://orcid.org/0000-0003-4528-8776
Recepção: 31 de outubro de 2024 | Aceitação: 17 de março de 2025 | Publicação: 31 de maio de 2025
DOI: http://doi.org/10.18175/VyS16.2.2025.6
Resumo
A partir da conjuntura do crescimento do uso de inteligência artificial (IA) que se expressa no contexto das intervenções das tecnologias de informação e a expansão da plataformização da vida, buscamos compreender tal movimento sob a ótica das expropriações socioeconômicas (Landnahme) e o seu impacto direto na democracia e nos processos de disputa hegemônica sobre o senso comum. Nessa linha, procuramos discutir os usos (abusos) da inteligência artificial (IA) enquanto tecnologia que vem sendo empregada para atender prioritariamente aos interesses corporativos e os efeitos desse movimento na formação de uma sociabilidade mais mercantilizada e cada vez mais inserida no capitalismo de vigilância. Tendo em vista tal questão, analisamos as consequências na educação e na formação humana que passa por uma nova fase de desenvolvimento cognitivo e psicofísico em que a IA tem forte predominância. Quais os efeitos desse processo na formação da passividade dos indivíduos, na criatividade, na formação política e cultural? Ademais, como a disputa pela regulamentação de redes e da tecnologia da informação é um movimento fundamental para repensarmos a ditadura de tais mecanismos?
Palavras-chave
cultura, direito, educação, inteligência artificial, Landnahme.
Usos y abusos de la IA en el proceso contemporáneo de Landnahme
Resumen
A partir del crecimiento del uso de la inteligencia artificial (IA), que se expresa en el contexto de las intervenciones informáticas y la expansión de la plataformización de la vida, buscamos comprender este movimiento desde la perspectiva de la expropiación socioeconómica (Landnahme) y su impacto directo en la democracia y los procesos de disputa hegemónica por el sentido común. En esta línea, buscamos discutir los usos (abusos) de la IA como una tecnología que ha sido empleada principalmente para servir a los intereses corporativos y los efectos de este movimiento en la formación de una sociabilidad más mercantilizada y cada vez más inserta en el capitalismo de vigilancia. Ante esta cuestión, analizamos las consecuencias para la educación y la formación humana, que atraviesa una nueva fase de desarrollo cognitivo y psicofísico en la que la IA tiene un fuerte predominio. ¿Cuáles son los efectos de este proceso sobre la pasividad, la creatividad y la formación política y cultural de los individuos? Además, de qué manera la disputa en torno a la regulación de las redes y las tecnologías de la información constituye un movimiento fundamental para repensar la dictadura de tales mecanismos?
Palabras clave
cultura, derecho, educación, inteligencia artificial, Landnahme.
Uses and abuses of AI in the contemporary Landnahme process
Abstract
Based on the growth in the use of artificial intelligence (AI), which is expressed in the context of information technology interventions and the expansion of the platformization of life, we seek to understand this movement from the perspective of socio-economic expropriation (Landnahme) and its direct impact on democracy and the processes of hegemonic dispute over common sense. Along these lines, we seek to discuss the uses (abuses) of A.I. as a technology that has been employed primarily to serve corporate interests and the effects of this movement on the formation of a more commercialized sociability that is increasingly inserted into surveillance capitalism. With this in mind, we analyzed the consequences for education and human formation, which is going through a new phase of cognitive and psychophysical development in which A.I. has a strong predominance. What are the effects of this process on individuals’ passivity, creativity, political and cultural formation? Furthermore, how is the dispute over the regulation of networks and information technology a fundamental movement for rethinking the dictatorship of such mechanisms?
Keywords
artificial intelligence, culture, education, Landnahme, law.
Introdução
Ao problematizarmos o atual delineamento educacional, pautado na perspectiva da inteligência artificial, nos deparamos com a necessidade de pensar a lógica do conhecimento e o seu caráter sócio-histórico. Estamos diante de um contexto educativo cada vez mais pautado pela imposição dos termos “inovação” e “criatividade”, questões que cercam o modo de reprodução social e, evidentemente, a própria leitura da função social da escola e da educação neste processo. Enguita (1989) descreve isso como um movimento de disputas no contexto do capitalismo contemporâneo, no qual se fundam as desigualdades e expropriações que sustentam a figura do trabalhador como um sujeito forjado plenamente para exercer o seu valor de troca, chegando a subsunção da vida, isto é, presença da subsunção formal e da extração de mais-valia absoluta gerada no âmbito das inovações tecnológicas, descrito por Fumagali (2016) como ‘capitalismo biocognitivo’.
Esse questionamento nos leva a pensar os usos (abusos) da IA enquanto tecnologia empregada para esse modelo de racionalização social. Tendo em vista esse problema, examinamos as consequências na educação e na formação humana, que passam por uma nova fase de desenvolvimento cognitivo e psicofísico em que a IA tem forte predominância. Nesse sentido, nos parece basilar estruturar a leitura de tais elementos sob a perspectiva conceitual de Landnahme, na qual Dörre (2020) atualiza as contribuições de Luxemburgo (1970) e Marx (1984) sobre os movimentos de expropriações, como parte da expansão capitalista na tomada de territórios e em todos os sentidos do termo. O conceito, que aprofundamos no decorrer deste artigo, evidencia que as sociedades capitalistas necessitam expandir-se, ocupar e mercantificar todo espaço ainda não capitalista. Portanto, nos orienta à compreensão da incessante repetição do ato de acumulação primitiva, ou seja, não só ocupa novos “lugares”, mas também acelera e aprofunda assimetrias sociais, políticas e econômicas, a partir de novos suportes para as formas de expropriações. Para Marx (1984), as expropriações são processos da expansão capitalista, portanto, formas de reprodução do capital e de acumulação de mais valor.
Tendo esse elemento como fulcral em nossa análise sobre as tecnologias informacionais e a gama de inovações no setor, logo de início notamos que elas aparecem de modo estranhado (Entfremdung1) para o grande público, e apesar de sistemas de inteligência artificial terem sido desenvolvidos nas últimas décadas, ainda suscitam questionamentos sobre suas capacidades e influencia nos processos de alienação.
Sabemos que a configuração de modelos computacionais voltados a interação já é conhecida desde os anos de 1950 (teste de Alan Turing). Anos mais tarde, Joseph Weizenbaum, um cientista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), cria Eliza, um chatbot capaz de discutir questões diversas com seres humanos2. A reação alienante que o processo suscitou — isto é, as pessoas não conseguiam distinguir Eliza de um ser humano, e se afeiçoaram ao Chatbot — fez com quem Weizenbaum repensasse a atuação e interação humana com a inteligência artificial. Entendendo os perigos morais e éticos do processo, o pesquisador empreendeu ampla discussão sobre os usos dessas formas tecnológicas na formação e conformação social desumanizadoras.
Entre os argumentos de Weizenbaum que ainda são relevantes atualmente, está a constatação de que a evolução das ferramentas nesse setor mostrava-se mais que uma revolução tecnológica, na verdade um instrumento de contrarrevolução, dado que quem controla tais tecnologias são grupos hegemônicos voltados a manter as estruturas de poder repressivas. O fenômeno Eliza expõe que a interação entre humanos e máquinas, isto é, uma relação baseada em códigos pré-estabelecidos, pouco contribui para a riqueza da razão humana, ao contrário, ajuda na construção do individualismo, falta de senso coletivo e manipulação dos usuários, que por meio do diálogo competente levou os usuários a acreditarem que havia uma mente consciente e inteligente dentro do programa. Quando, na verdade, era um programa com incapacidade empática e compreensão da complexidade das experiências humanas (Buchanan et al., 1976).
Por isso, Chomsky (2023) argumenta que a IA existe por meio de dados já constituídos e disponíveis, e, portanto, são fruto da racionalidade humana, além de ter baixa autonomia criativa ou inteligência concreta. Conforme Miguel Nicolelis (UOL, 2025), a IA não é nem inteligente e nem artificial, é uma “propaganda” de uma indústria que vende um futuro ultra-avançado tecnologicamente, em contínuo processo, ademais se utiliza do conhecimento já produzido para reorganizar uma dada concepção do mundo. E para sustentar tal promessa, exige investimentos de grande monta3. A IA ainda não é capaz de capturar o que é senso comum, mas serve como instrumento de intransigências das corporações do setor, numa relação de abusos sem precedentes. Os avanços da IA e da IA generativa, sem uma discussão coletiva e regulada de seus usos, servem apenas como instrumento deletério à sociedade (Gary Marcus, conforme citado em MIT Technology Review, 2024).
Conforme Nicolelis (UOL, 2025),, deletério porque a IA não é capaz de criar soluções inovadoras e seu uso extensivo indica que pode apassivar o conhecimento abstrato. O pesquisador atenta que “além de um futuro sem futuro, não saberemos o que é verdade” (9’50’’), uma vez que dados se retroalimentam e eliminam variáveis mais longevas de conhecimento. Harrison Dupré (2023), afirma que o treinamento da máquina não está concatenado à noção de realidade; ademais, a IA generativa é composta de dados sintéticos que se sobrepõem uns aos outros, afetando a qualidade das informações requeridas e demandando energia e recursos naturais em grande escala.
Esse modelo é encontrado nas Big Techs (Google, Facebook, Apple, Microsoft, Samsung, Teslas Amazon e Nvidia), empresas que tiveram em 2024 lucros na faixa de 35% sobre o faturamento e um expressivo crescimento no seu valor de mercado, avaliado em mais de US$ 10 trilhões. Porém, esses valores foram afetados com o surgimento de versão recente de um modelo de inteligência artificial (IA) chinês, DeepSeek, da empresa homônima, tendo abalado o mundo da tecnologia e gerando uma perda de cerca US$ 600 bilhões em valores de ações somente para a Nvidia. O efeito DeepSeek se manifesta não apenas economicamente, mas reside, sobretudo, na lógica de investimentos no setor e numa nova racionalidade sobre o mercado de IA, principalmente, porque os chineses encontraram formas mais inteligentes de treinamento, supostamente com menos recursos que exigem os supercomputadores do Vale do Silício nos EUA.
O desponte chinês, neste setor, lança em nós a expectativa de descentralização do poder de grupos que, até então, eram responsáveis por concentrar e controlar informações e influência predominante no senso comum, na direção e domínio de grupos dirigentes sobre os grupos subalternizados.
Marcus compreende que restrições éticas e comedimentos devem ser impostos com urgência no setor, pois, até o momento, as Big Techs desconsideram limites e salvaguardas que protegeriam a sociedade (MIT Technology Review, 2024). Cabe destacar que nelas se concentram também softwares, aplicativos e plataformas diversas que servem como estruturas para outras agências de desenvolvimento tecnológico e comercial. O que fica claro é que a composição de forças neste tema é muito mais importante do que nos concentrarmos simplesmente no domínio autonomizado da IA
Conforme Buchanan et al. (1976), Weizenbaum também estava preocupado com a aceitação passiva pelo público das definições dos tecnólogos sobre os problemas sociais e suas soluções tecnológicas subsequentes à Eliza. Esse processo alienante fez Weizenbaum se questionar sobre os reais beneficiários no progresso tecnológico; sobre os impactos na autoimagem e dignidade humanas quando expostas à interação com a tecnologia, principalmente, diante do quadro em que a sociedade está apartada da discussão sobre os usos perniciosos ou benéficos da tecnologia informacional.
Tendo em vista tais questões, buscamos desenvolver uma análise desses elementos no contexto educacional, principalmente brasileiro. Dado que é um dos muitos exemplos que manifesta a falta de preparo jurídico e social sobre a regulação, os usos e abusos da imposição destas ferramentas. Para além desta introdução, este artigo está organizado em três sessões, a saber: a primeira sobre a compreensão das estruturas político-culturais na difusão de uma dada realidade alienante e voltada para comodificação social; a segunda é a discussão sobre como a nova revolução tecnológica, além de promover inovações fundamentais para a sociedade, também fomenta modos mais exacerbados de assimetria social, controle social e modos de subalternização, dada a concentração decisória dos reguladores das redes e das companhias detentoras do controle digital da sociedade, através da intersecção entre Landnahme e o Direito; já a terceira parte versa sobre os impactos dos processos de Landnahme na educação e a crescente intervenção de aparelhos privados de hegemonia4 (APHs) no contexto decisório do fazer escolar, explicitado na área das políticas públicas em educação, no delineamento ideológico produtivo e econômico. Por último, as considerações finais.
A comodificação social
Apesar dos significativos avanços na forma e na interação homem-máquina, a perspectiva de Weizenbaum mantém ressonância, pois não consideramos nem inequívoca, nem ultrapassada a inquirição frente as tecnologias que dispomos atualmente. Diante de uma sociedade que se torna indiferente a sua qualidade de vida, dignidade e condição humana, não é surpresa que o indivíduo se incline para um processo mais autorreferente e menos atento à coletividade, uma vez que ideologicamente — pelo uso de diversas tecnologias comunicacionais alienantes e pelo grau de expropriações socio-econômico-culturais nas demais esferas da vida e sociabilidade — ele muitas vezes é enredado em mecanismos paralisantes que se estruturam de acordo com a lógica mercantil de esvaziamento da esfera pública.
Por esse aspecto, verifica-se uma confusão sobre o termo e as práticas do que se concebe como liberdade, tanto no senso coletivo em sua interação social em rede ou fora dela. Os limites éticos, morais e da relação entre justiça, igualdade e liberdade é ainda hoje tema fundamental a se discutir. Uma vez que, se a igualdade produz a liberdade (Marx, 2012), é a junção de ambas que carrega a possibilidade de pensar em conjunto nossa realidade e nosso senso moral e ético. Ao contrário, se estamos nos distanciando desta conjunção, como comprovado historicamente, há o aumenta dos riscos da emergência do totalitarismo ou do reformismo estéril, e ambos perpetuam o estabelecido.
Para Levitsky e Ziblatt (2018), as democracias tradicionais correm o risco de colapsar não por golpes militares, como antigamente, mas por líderes eleitos que, numa escalada autoritária, minam as instituições (judiciário, imprensa etc.) e paulatinamente deterioram as normas políticas estabelecidas. Um exemplo eloquente e concreto dessa teoria é o segundo mandato de Trump nos EUA, com suas ordens executivas controversas, os desafios constantes às leis e a tentativa de calar cientistas e opositores. A ressalva é a de que a velocidade é muito mais acelerada da prevista pelos referidos estudiosos.
Na democracia, os conflitos e diferenças não são entendidos como ameaças, mas configuração de existência coletiva. No entanto, na sociedade de classes os conflitos têm a forma de contradição, não de oposição (Chaui, 2006), daí a necessidade de repressão policial e militar para as camadas populares e o desprezo condescendente para os opositores.
Por nossa ótica, constatamos atualmente que os avanços da extrema-direita demonstram que a implementação de seus programas plutocráticos demanda, em última instância, a extinção até mesmo da democracia burguesa, com a imposição autocrática para suprimir os dissidentes e estabelecer um governo despótico, antissocial e antipopular.
Sem deixar de reconhecer os limites das chamadas “democracias liberais”, entendemos que a programação de algoritmos estimuladores do discurso do ódio, incitação à violência e produção de fake news favorecem a extrema-direita e podem se transformar em riscos reais ao chamado “mundo democrático”, solapando os tímidos instrumentos institucionais que limitariam minimamente o poder coercitivo do capital. Sabemos que o monopólio da informação conduz ao privilégio do saber e de sua manipulação, por isso é requerida a regulação das Big Techs para salvaguardar a soberania e os interesses nacionais. Na realidade, a regulação dessas megaempresas e suas plataformas é insuficiente, sendo fundamental a criação de redes sociais nacionais e públicas, desvinculadas de interesses dos proprietários das grandes corporações mencionadas. E no caso brasileiro, escudar os interesses da classe trabalhadora, principalmente no processo educativo, cada vez mais cercado pela mercantilização da escola, da comodificação dos agentes e processos educativos, tanto pela instrumentalização da burguesia nacional, alinhada aos mecanismos de expropriação ampliada, como pela plutocracia internacional, buscando assegurar uma nova e única cultura.
Uma sociedade obliterada tende a entender conhecimento e liberdade como forma de falar desprovida de fundamentação, num espaço que universaliza a expressão de banalidades no mesmo patamar de discussões científicas. A propósito, ao receber o título de doutor honoris causa em comunicação e cultura na Universidade de Turim, em 10/06/2015, Umberto Eco afirmou que a liberdade das redes sociais propiciou um espaço para que imbecis se expressem. Para ele, a sociedade está submetida ao esvaziamento de capacidade crítica, sobretudo no meio aberto da internet, em que discursos podem vir a ser ferramentas manipulatórias, conformistas e acríticas, voltadas à sociabilidade do consumo.
No Brasil, a plataformização da educação alcança várias categorias de serviços, desde a produção e difusão de conteúdo, controle de dados e informações de instituições de ensino, de docentes e discentes, principalmente via serviços de email e armazenamento digital que fica sob o controle de corporações privadas, o que traz preocupações sobre privacidade e segurança. Em estudo recente divulgado pelo Comitê Gestor da Internet (CGI) que discute as soluções para a plataformização da educação e as implicações para a soberania nacional. “O país tem cada vez menos controle sobre esses dados e depende de empresas de fora para o acesso e a segurança deles, o que ameaça o que a academia chama de soberania digital. (CGI, 2014, s. p.) Outro elemento que a pesquisa destaca é o crescimento sem regulamentação desse setor, o que afeta interferência de grupos privados no currículo, autonomia do docente e da escola no processo educativo.
A digitalização e a financeirização impactam a dinâmica da produção e afetam profundamente as soberanias nacionais pelo surgimento da governança algorítmica, que se intensifica com a inteligência artificial, e depreendemos uma nova era de organização econômica e social. Essa nova governança deve ser analisada sob o ângulo da infra e da superestrutura no capitalismo regido pelo intenso processo ideológico fomentado pela indústria cultural (Adorno, 2009; Jameson, 1998) e novas formas de compreensão da realidade e senso comum. Além de uma racionalidade tecnológica que se conecta à racionalidade política (Marcuse, 1982), permite que a reprodução da desigualdade se manifeste sob o véu tecnológico que a escamoteia, haja vista a sua aparência de neutralidade, de “acesso” e de invisibilidade das relações de poder, do trabalho pago e não pago. Amplia-se, nesse contexto, a expropriação do trabalho e das formas de resistência organizada.
Outro elemento fundamental, discutido por Marcuse (1982) é que a racionalidade tecnológica é fundamental para o fomento de apassivação social. O apelo ao incessante e indiscriminado uso de modelos informacionais promove uma dada “euforia na infelicidade”, impactando diretamente nas relações sociais e de produção no capitalismo contemporâneo.
A relação entre cultura, capital e tecnologia apresenta um progresso e eficiência nunca vistos. E enquanto aprofunda as desigualdades, forma novas estruturas de poder, e, essencialmente, novas formas de subjetividade.
Ao questionar os usos das ditas ferramentas inovadoras, bem como seus impactos sociais, políticos e culturais incidentes na capacidade de difusão e concentração de uma dada linguagem, de uma concepção de mundo cada vez mais controlada pela hegemonia capitalista dominante e suas estruturas antidemocratizantes, estamos exercendo a atividade crítica considerando as condicionalidades objetivas para interferir na realidade. Isto é, ter ciência de que o lugar do sujeito de direito no sistema capitalista é o lugar da manutenção do capitalismo e da noção de humanidade (Pachukanis, 2017), e isso favorece à compreensão das estruturas que fomentam “os lugares” aos quais somos moldados e subalternizados, assim como, os lugares nos quais alcançamos resistir.
Reconhecer a estrutura de controle e influência é fundamental, assim destacamos a linguagem como recurso de difusão de uma dada realidade e conformação. A linguagem é parte de um processo de comunicação político-cultural que se dissemina por meio de discursos que se integram na realidade histórica e na mentalidade que sustenta as questões objetivas e subjetivas (Dias, 2012). Essa visão gramsciana é construída pela necessária interação com cultura e a filosofia, formando o que o Gramsci denomina “concepção de mundo” (Gramsci, 1975), a qual todos os homens participam de forma dialética, e disputam pela linguagem.
Quando pensamos em IA, esse processo se exponencia, incalculáveis concepções de mundo disponibilizadas, porém “selecionadas” por direcionamentos via algoritmos que não as difundem de modo igualitário. Quer dizer, a concepção de mundo hegemônica tem nos espaços informacionais uma gama de estruturas linguísticas e de linguagem utilizadas a seu serviço e intento, além do fomento dos algoritmos dirigidos à sua ampla divulgação e propagação5. Assim, se a ciência e a tecnologia em grande medida são privatizadas e estão à mercê do capital, pode-se inferir que os produtos desse conhecimento são utilizados para promover interesses restritos em todos os âmbitos, particularmente na escola, cujo espaço de formação e reprodução sociais é permanentemente disputado.
Pelo exposto, vemos que as discussões críticas sobre a interação no meio digital estão mais delineadas na compreensão de uma realidade muito mais complexa, isto é, o debate sobre a condição humana diante da condução hegemônica das classes dirigentes e dominantes. Neste sentido, pensar e construir elementos de uma sociabilidade que questione o status quo é um eixo imprescindível na disputa sobre a autonomização do conhecimento.
A discussão empreendida aqui é sobre a expropriação das capacidades do desenvolvimento humano e suas relações político-histórico-culturais e econômicas, nas quais advêm relações que atuam no consenso (em sentindo gramsciano), promovendo a comodificação dos sujeitos, uma vez que, por meio da IA, a função intelectual no processo de formação da sociedade ganha ares de total controle sobre narrativas e visões de mundo. Questão que se acentua, quando a figura do contraditório — do articulador de uma racionalização sobre o que é apresentado — é escamoteada ou não existe. É o caso, da interação com a máquina via gamificação do conhecimento e mediação exercida por uma dada tecnologia que acumula determinados conteúdos e formas de apresentá-los em que não há a figura que estimula e contra-argumenta sobre o conteúdo, o currículo e as formas de conhecimento. Assim, resulta numa educação cerceada, ou ainda mais culturalmente expropriada.
Desse modo, essa é a nossa principal preocupação no âmbito da IA como recurso formador, mormente na ocorrência de outras formas de sociabilidade acrítica e recriação de realidades convenientes que são fomentadas quando a IA é utilizada para substituir o humano na comunicação da cultura.
Landnahme e o direito
As expropriações são formas alienadoras que encarnam o Direito como uma construção superficial e formal das relações que dão sentido à marginalização e desigualdades, parte do movimento coercitivo do Estado na proteção da economia capitalista (lucro, renda etc.) (Pachukanis, 2017). Assegurar a propriedade via o uso do Direito, conforme Gramsci (1975), é a forma de aplicar a verve conformadora e civilizadora do Estado. Isto é, o Direito é um meio, um instrumento de um dado sentido societal de um certo projeto da classe dominante. Esse projeto se legitima pelo Direito, pois este se apresenta, como vimos em Pachukanis, como geral, portanto, a assunção sobre ele é de imparcialidade, de vontade coletiva. O que dá ao Direito uma função de dimensão ideológica que, por normas e valores, consolida o exercício de hegemonia da classe dominante e também o exercício “educador” a que o Estado se debruça fortemente (Gramsci, 1975). Por conseguinte, o Direito apresenta a função moralizante pela punição, imposição de normas e conformação.
Como organismo que faz parte de uma relação e forças da sociedade política e sociedade civil, o Direito é também objeto de disputa das classes subalternizadas que se manifestam quanto a este domínio direto que compõe o Estado Integral6. Então, conforme Gramsci (1975), o Direito tem funções que consolidam o consenso nas esferas sociais do campo político e no campo da sociedade civil, pois carrega em si a pretensa preservação da vontade coletiva que se constitui inicialmente no corpo dos APHs (Aparelhos Privados de Hegemonia) ou do Estado político como singular-privado e, pelo Direito, há a conversão para o interesse universal como processo de construto das formas de participação social e disputas. Então é nesta arena que se consolidam as formas de disputa por um projeto divergente, isto é, sempre negociado sob os termos das leis estabelecidas por um dado grupo dirigente, num dado momento histórico.
Isto posto, a conjuntura em nosso tempo presente é adversa, haja vista o crescimento de agendas totalitárias e as dificuldades econômicas e ambientais que atravessamos e que, ao invés de nos unir, nos separa abismalmente.
Conforme Srinivasan (2019), a revolução tecnológica estrutura novas formas de assimetria social — que interferem no Direito à proteção e liberdade tecnológica — cada vez mais centralizados. Para ele, tal revolução não é global e nem mesmo transcultural. As tecnologias dinamizadas das plataformas comerciais investem cada vez mais em produtos estratégicos voltados a manutenção desse próprio mercado e a apropriação dos espaços representativos e decisórios do âmbito público e do delineamento sobre cultura, senso comum e linguagem. Apesar de vendidas como uma revolução do pensamento e da comunicação, pouco a pouco se ratifica uma agenda totalitária, confrontando a pluralidade de ideias.
O problema é que, por sua base ser concentrada, todo o fluxo de informações e de acesso a serviços passa pelo controle e rentabilização de corporações que estão focadas em maximizar ainda mais as diferenças e desigualdades. A vida expressa em valores e pressupostos definidos por um mercado que visa homogeneizar as relações sociais, é a premissa do movimento tecnológico atrelado às Big Techs e seus governos, servem, conforme Marcuse (1982) e Benjamin (1982), à produção de conhecimento e o consumo de cultura marcados pelo domínio e direção de uma mentalidade dirigente, cujo controle hegemônico se manifesta na relação com o conhecimento, portanto, o senso comum.
Alternativas de redes, trocas não comerciais substanciais para a resolução de problemas, bem como novas formas de tecnologias mais acessíveis, participativas e complexas que contribuam para uma dinâmica social mais agregadora e saudável, é uma árdua missão, visto que o processo de concentração de poder e influência de estruturas empresariais voltadas ao desenvolvimento digital tem em suas mãos, em conjunto com os grupos hegemonicamente dominantes, o sentido de “desumanizar”. Ou seja, retirar características que fazem os seres humanos serem diversos, por sua riqueza cultural, por seus valores sociais, por sua linguagem, mas também controlar a diversidade linguística, cultural e a biodiversidade que são deglutidas nos processos de expropriações tipicamente voltadas à conformação e à restrição ao conhecimento, o desumanizar e homogeneizar sentimentos, gostos e valores, esse sistema acaba por comodificar os indivíduos (Rezera e Bevilacqua Sobrinho, 2025).
Srinivasan (2019) argumenta que como está delineado este processo, é provável que em nosso futuro tecnobiológico nós perderemos o direito do conhecimento sobre nós mesmos. Principalmente, diante das formas de manipulação da subjetividade, que modela os indivíduos para a subalternização adensada às formas de trabalho e vida mais precarizadas.
Para Linhart (2021), a globalização impõe um ritmo acelerado de concorrência (produção e inovação) e as novas formas de trabalho, mais tecnológicas, isolam o trabalhador e as novas configurações legais sobre o trabalho. Por esse delineamento, Linhart considera que os trabalhadores se veem diante de inovações apregoadas sob a égide da rentabilidade e da racionalidade do trabalho, estão desconectados de estruturas de apoio e luta, e assumem uma relação de autoculpabilização, cobrança de seu rendimento, de suas capacidades e qualidades profissionais e pessoais, assim como finalmente se assumem como produto. É o que revela uma série de estudos sobre a plataformização da educação, e que expressa um professor da rede pública de ensino, no Estado do Paraná, uma das capitais a adotar agressivamente a plataformização. "‘Nós não estamos dando aulas, estamos apenas preenchendo plataforma [...]Há uma pressão muito forte, estamos trabalhando apenas por metas, mas o resultado prático não está acontecendo’" (Fernandes, 2024). Nesse sentido, o sindicato no setor revela que a compra de diversos aplicativos pelo governo para padronizar o currículo e monitorar o trabalho docente vem “gerando um negacionismo pedagógico, uma sobrecarga de trabalho e o adoecimento dos professores, além de intensificarem a ansiedade nos estudantes” (Fernandes, 2024).
Acelerar e aprofundar assimetrias, criar imobilidades sociais, garantir a extração de mais-valia ampliada, exigida em cada processo do capitalismo financeiro, é o que vemos na forma em que a IA é aplicada no contexto educativo. Com o advento do neoliberalismo em suas diversas formas de desenvolvimento, é necessário a radicalização de processos de Landnahme, tais quais anunciados e delineados por Luxemburgo (1970) e Marx (1984), quando expressam as formas reificadoras do processo produtivo e avanço do imperialismo.
O desmantelamento contínuo do Estado de bem-estar demonstra que não há espaços territoriais isentos dos efeitos desagregadores de Landnahme (antissolidariedade), conforme Dörre (2010, p. 50), e suas implicações se exponenciam, de um lado, pelos ditames do capital financeiro e, por outro, pela ascensão do seu braço forte, a extrema-direita. Na quadra atual do estágio do capitalismo, os grandes conglomerados capitalistas se utilizam da tecnologia para a flexibilização de toda relação político-social, tais como, a regulamentação no mundo do trabalho e intensificação de processos de extração de mais valor, como o crescimento da informalidade, da ideologia do empreendedorismo e fragmentação da classe trabalhadora.
E com a internet não é diferente, mesmo com iniciativas como as delineadas por John Perry Barlow na promoção de uma internet “antissistema”, há uma visão acrítica do conjunto. McChesney (2013) compreende que Barlow, por uma visão utópica do espaço da internet no mundo, acreditava que ela possibilitaria os passos iniciais para uma era de democracia, cultura aberta e participação social. Porém, Barlow contribuiu de certa forma à ode pela desregulamentação da internet, seus discursos versavam sobre liberdade absoluta na rede, zero interferência de governos e estruturas que considerava coercitivas ao livre pensamento. Isso mostra que o mesmo desconsiderava que a rede é configurada por estruturas de poder que mais oprimem, do que libertam. Hoje, com o advento de ataques à democracia via fake news, podemos discutir que a teoria de Barlow era uma retórica ou uma alienação sobre o que impulsionava negócios no setor, e, apesar de seu ativismo antissistema, contribuiu para uma narrativa anti-regulação.
Esse debate é indispensável e ainda mais urgente com o domínio coorporativo da internet. Nesse sentido, McChesney (2013) adverte que a luta pela mídia aberta é uma estratégia fundamental na articulação que subsidiará uma disputa coletiva de movimentos políticos na construção de alternativas democráticas em contraposição ao neoliberalismo. Para o pesquisador, é preciso ler o movimento das redes de modo dialético, uma vez que a internet não é uma zona imparcial, neutra e plural, pode apresentar-se assim, mas é parte de uma complexa economia política, social e comercial. A internet é uma zona de conflitos que expressa novas formas mais sofisticadas de exploração da classe trabalhadora. Os elementos mais deletérios para McChesney estão na política de controle total que a internet concentrada em monopólios promove. De tal modo, a implicação sobre os usos e abusos do que genericamente se processa como “democracia”. Para Auerbach e Clark (2016), esse controle total está imbricado a uma hipercomercialização que visa limitar discussões alternativas. Para os autores, o capital monopolista se volta à privatização de bens públicos, e entendem inovação como lucro, que visa exacerbar “as desigualdades pré-existentes, criando lacunas cada vez maiores entre classes e grupos sociais. Enquanto isso, um grupo seleto de grandes empresas monopolistas se tornou guardião da informação” (Auerbach e Clark, 2016, s. p.).
Estamos vivendo um novo processo de conformação psicofísica do trabalhador. Essa é a resposta mais evidente da ideologia do desenvolvimento das Big Techs e sua verve expropriadora e comodificadora das relações de trabalho, que necessariamente, em sua grande maioria, terá a superação da atividade humana em mecanismos de automação.
A desvalorização do trabalho humano pelo avanço das tecnologias é parte de um processo de cerceamento da real potencialidade humana no contexto das transformações sociais. Marcuse (1982) compreende que a racionalidade tecnológica incita insistentes processos de emulação às expressões de modo de vida e visão de mundo dos grupos dominantes, quebrantando possibilidades de reconhecimento de classe e, portanto, de resistência coletiva. Isto é, a cooptação de espaços de atuação da sociedade para limitar a disputa social, e isso está diretamente relacionado à participação política, democrática e no contexto dos direitos sociais.
Landnahme em progresso, IA e Educação
Umberto Eco vê a internet como mundo selvagem e perigoso, onde o que circula é tão excessivo, tão descartável e frágil que não conseguimos sequer lembrar o que “aprendemos”. Tal processo revela que nem toda informação é válida. E que nesse modelo há um potencial alienante muito expressivo, haja vista que a aprendizagem passa por dinâmicas cognitivas muito aceleradas (Giron, 2016).
O acesso a informação tal como conhecemos, dilatado e raso, é um indicativo de um projeto voltado à formação de “ignorantes esclarecidos”, isto é, indivíduos que têm contato com uma multiplicidade de fatos, dados e ideias e não têm capacidade de racionalizar criticamente sobre elas. Tomam para si, sem hesitar, tudo como verdade. Para Eco, conhecer de fato é ter capacidade de filtrar a informação, argumenta que, “a longo prazo, o resultado pedagógico será dramático. Veremos multidões de ignorantes usando a internet para as mais variadas bobagens: jogos, bate-papos e busca de notícias irrelevantes” (Giron, 2016, s. p.).
Esse movimento expressa não somente a formação cotidiana sobre o senso comum e o conhecimento científico, mas certamente a realidade escolar, que tem no Brasil uma acelerada assimilação política ao conhecimento via plataformização e um delineamento ideológico voltado ao atendimento das reestruturações produtivas, delineadas em duas frentes, a saber: os interesses de organismos internacionais e a performatividade.
Essa realidade denota controles mais díspares e repressivos no contexto decisório do fazer escolar (Evangelista, 2020). Que por fim resulta em intervenções de agentes privados no debate sobre direito educacional e os sentidos da educação, que se inscreve em todos os processos formativos, inclusive na formação de professores, configurando, assim, uma nova sociabilidade de classe (Fontes, 2017). Esse movimento, expressa a tragédia docente, termo cunhado por Evangelista (2017), em que demonstra que a dilatada internalização dos ditames do capital e da concepção de mundo hegemônica pautada por ações no campo das políticas educacionais, acarretam na precarização docente, na instrumentalização de sua atividade e o força a cooperar para a manutenção das determinações históricas excludentes e de uma concepção de mundo fragmentada. Vista nas concepções de currículo e na imposição de estratégias didáticas e burocráticas que engessam o trabalho docente, impossibilitando-o de exercer a função crítica de um educador perante seus alunos, isto é, fazer escolar pautado no caráter dialético que explicita o contraditório das articulações históricas e suas condicionantes.
Nesse sentido, ao nos questionarmos a função da IA no contexto educativo, podemos mais uma vez explicitar que a tecnologia e seus usos são dinamizados por um contexto político e ideológico. Conforme Alex Beard (2020), a capacidade humana em acompanhar a pretensa oportunidade de aprendizagem e desempenho delineada e propagada pelas startups ligada ao setor educacional, não condiz com aprendizagem, mas sim com assimilação de uma dada concepção de realidade, com intenso apelo à cultura meritocrática. Nesse processo há a metrificação cognitiva alinhada ao que o mercado educativo define como conhecimento válido e validado em sistemas de exclusão, que podem instrumentalizar os processos formativos plurais e que por fim fomentam um controle sobre a pessoalidade dos indivíduos, a hipervigilância, o controle comportamental, a coleta de dados do estudante, temas que são assinalados como os principais instrumentos coercitivos na geração de novos conhecimentos, de leituras de mundo e de forte controle das ações humanas quanto à organização social de verve contestadora (Rezera e Bevilacqua Sobrinho, 2020).
As startups no setor educativo alegam que sua função é contribuir para a superação de deficiências e iniquidades educativas. Durante a Pandemia da Covid-19, tal retórica alastrou-se, assim como, o mercado da plataformização e gamificação do conhecimento. E diversos estudos, se questionaram sobre eficiência e oportunidades de aprendizagem, num mundo em que vem sendo construída uma ideologia da ignorância, conforme Eco, nos explicitou, uma ode à ausência de conhecimento concreto e pensado. Que nos faz questionar os reais espaços democráticos e éticos no contexto da formação humana e formação escolar.
A adoção de tecnologias educacionais avançadas gera um amplo debate sobre suas potencialidades em diversificar o acesso e enriquecer as experiências de aprendizagem, permitindo que os alunos se integrem de maneira mais lúdica e desenvolvam estímulos cognitivos mais sofisticados. Gramsci, em suas cartas a Giulia (2011), enfatiza a importância do estímulo à criatividade por meio de novas tecnologias, como o Mecano que ele encomendou para seu filho, destacando seu papel no desenvolvimento cognitivo e na capacidade de abstração e raciocínio sobre o mundo. Contudo, ele também ressalta a necessidade de uma interpretação crítica e racional do uso dessas tecnologias, sublinhando a importância da interação e do entendimento em seu uso.
Nessa perspectiva, para Gramsci (1975) a formação dos professores é crucial, uma vez que eles devem ser capazes de estimular o conhecimento e participar ativamente de um processo formativo complexo, um aspecto crucial nas atuais condições de trabalho dos educadores. Em suas obras, como nas Cartas do Cárcere e nos Cadernos do Cárcere, ele reflete sobre sua própria experiência com a educação matemática, mencionando que a falta de qualidade dos mestres comprometeu sua relação com essa área do conhecimento.
Ele defende que uma formação sólida é essencial para superar as limitações da educação fragmentada. Nos Quaderni del carcere (Q. 12), Gramsci discute a função criadora do professor e a importância do acompanhamento próximo dos alunos, promovendo um conhecimento integral e complexo. Ele destaca a relevância da interação social na educação, enfatizando que a participação ativa dos estudantes em sua realidade social é fundamental para uma compreensão aprofundada da visão de mundo estabelecida pela hegemonia dominante.
Esse debate se torna ainda mais pertinente quando observamos casos contemporâneos, como o da ministra da Educação da Suécia, Lotta Edholm, que, ao consultar 58 instituições de pesquisa sobre o plano de digitalização da educação, verificou que havia a possibilidade de uma geração inteira de estudantes estar se encaminhando para o analfabetismo funcional, evidenciando a necessidade de uma reflexão crítica sobre as escolhas educativas e suas implicações.
Tendo em vista os estudos desenvolvidos, a ministra alega que há pouca ciência que apoie o desenvolvimento cognitivo responsável e complexo no ensino digital. Lotta vê uma interferência negativa no desenvolvimento educativo da criança por meio da plataformização do conhecimento, argumenta que os usos das ferramentas digitais só podem alcançar um nível de competência significativo se antes a sociedade investir no aprendizado e suas variadas formas de desenvolvimento cognitivo, social e crítico. A partir desse processo, seu lema tornou-se “Schools must go back to basics. They can greatly improve through more order and fewer experiments – especially for the children who need school the most.” (Ministério da Educação, 2024). Lotta Edholm desmantelou o que entende como a equivocada estratégia de digitalização proposta pela Agência Nacional Sueca de Educação. Segunda ela, a Suécia não abandonará sua relação de aproximação com as formas tecnológicas de aprendizagem, no entanto, “a escola deve ser uma escola, onde o conhecimento deve ser o foco, e não servir como uma espécie de subcontratante para algum outro objetivo” (Lotta Edholm, conforme citado em "Regeringen river upp Skolverkets plan...", 2023, s. p.). Recentemente, Edholm empreendeu outra disputa no cenário educativo sueco, a liberdade e a autonomia docente frente ao currículo e aos ditames e pressões dos pais. Sendo alinhada ao partido liberal sueco, sua visão tem surpreendido. Mas sobretudo nos direciona à compreensão de uma problemática mais densa do que a superfície anuncia.
Outro exemplo que nos faz compreender as novas dinâmicas no campo educativo e os usos de inteligência artificial é a experiencia chinesa. Beard (2020) e Yi-Ling Liu (2019) ao estudar este cenário, discutem que tal como o restante do mercado ocidental, o setor é movido por investimentos bilionários e monopólios que delineiam o currículo, o sentido e as formações na educação. Atenta Beard (2020) que a manifesta proposta de formar um novo tipo de trabalhador capaz de atuar no campo da inovação tem ganhado muita preponderância em contraste com a formação complexa. O levantamento de Yi-Ling Liu (2019) considera que o sistema de educação, pautados via IA, tem se sobressaído no âmbito educativo, tendo preponderância de institutos privados cujos interesses são a padronização e o atendimento a um mercado cada vez mais elitizado, capaz de absorver novas tecnologias, as novas formas de trabalho e criar um exército de trabalhadores de excluídos do trabalho. O que fortalece a tese de Landnahme e comodificação dos sujeitos, onde uma nova fase e expropriação se delineiam.
Afinal, para Yi-Ling Liu (2019, § 4), “o advento da IA na educação pode não abordar a ameaça iminente de perda de empregos, mas pode exacerbar o aprofundamento da divisão digital e a correspondente desigualdade econômica”.
A agência de Monitoramento Global da Educação em Tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem? (Unseco, 2023), mostra que os estudos sérios sobre o impacto positivo na aprendizagem através da tecnologia educacional são escassos, somente os estudos das próprias startups do setor é que alegam uma relação positiva no contexto de seu uso. O relatório nos mostra que não podemos simplificar a leitura dos usos desses recursos como meros mediadores do processo de aprendizagem ou conhecimento, há uma relação de expropriações muito mais profundas que incidem sobre a alienação e o estranhamento na relação ainda mais desigual no contexto atual do capitalismo e o setor educativo.
É importante destacar que a tecnologia é sim fundamental, como o exemplo discutido de Gramsci. Ela pode acessar e oportunizar a educação para pessoas alijadas de instrumentos educativos formais, assim como complementar a formação e exponenciar a pluralidade de conhecimento acumulado historicamente. No entanto, no contexto das intensas desigualdades, não há espaço para que todos alcancem tais tecnologias. E se existe, é a partir do empenho e concentração de mercado em corporações hegemonicamente dominantes, como as Big Techs, organismos internacionais atentos a formação de um exército de pessoas dependentes da filantropia e da racionalidade meritocrática, e, ainda, grupos de ideologias de linha fascista, religiosa etc. Podemos citar, como exemplo brasileiro, a produtora Brasil Paralelo e institutos e corporações financeiras que concentram a atuação no mercado, como a Fundação Lehman.
Yi-Ling Liu (2019) argumenta que o ritmo acelerado das mudanças na tecnologia tem pressionado os sistemas a se adaptarem sem margens de segurança, principalmente no que tange à formação e a capacidade de avaliação concreta sobre os mesmos. Ademais, o conteúdo online e as redes de informação dominantes, tais como X, Facebook, entre outras, se organizam contra a regulamentação do setor.
Ao entendermos o contexto de ruptura de aspectos éticos, democráticos e educativos, vemos, assim como Yi-Ling Liu (2019) e sua análise do projeto piloto da SenseTime, que os limites éticos são estreitos e até mesmo inexistentes. No caso estudado, detectou-se agudo reforço para conformações psicofísicas; intenso controle social; censura, visão produtivista da educação, metrificação para atingir comportamento socialmente idealizado sobre o sucesso e poder, isto é, a meritocracia; currículos formativos que se pautam pela coleta e análise de dados e desempenho individuais. Esse modelo foi encontrado desde a atuação no design instrucional, no conteúdo e na aplicação, formação de discentes e docentes.
Esse modelo, não se circunscreve ao estudo de Yi-Ling Liu e Beard, é na verdade uma chave mestra da conduta da ideologia do capitalismo de vigilância (Zuboff, 2019). Os usuários de internet têm sido controlados em seus históricos e modos de transitar na rede para a predição matematizada de comportamentos enredados e moldados de acordo com os interesses dos patrocinadores comerciais em conjunto com as Big Techs, cujos aparatos tecnológicos são programados para captar e direcionar emoções e impulsos de “consumidores” para atender os financiadores do aparato de controle de hipervigilância.
Davidson (2017) argumenta que a educação, propelida pelas tecnologias da informação, é uma tendência inevitável, no entanto, gera tensão e desorientação, principalmente pela falta de interação política entre os usuários e a tecnologia da informação utilizada nos processos de aprendizagem; para a pesquisadora, há que se organizar um novo paradigma educacional, no qual o aluno desenvolve habilidades para navegar em um mundo de incertezas. Ela critica a educação tradicional, que reforça o status quo e não prepara para a instabilidade do futuro. E apesar de sugerir uma educação crítica e reflexiva, que utilize a tecnologia para preparar os alunos para um mundo de constantes mudanças, acaba por revelar a questão típica da racionalidade neotecnicista e meritocrática, a culpabilização individual, afastando a crítica ao status quo, cada vez mais opressivo.
Diante do exposto, a educação via IA, oportuniza muito mais uma formação homogeneizadora, nos apartando de nós mesmos como sujeitos criadores e criativos e que imersos numa indústria que se pauta pelo reforço das desigualdades, desembocamos no mercado da pobretologia (Fontes, 2018b).
Urwin (2017) acredita que as Edtechs voltadas ao mercado educacional tem expressiva margem de lucro, o Expert Market Research, avalia que o mercado global de edtechs, hoje com lucros de cerca US$ 230,6 bilhões, pode chegar a US$ 542,4 bilhões até 2032. Elas atuam em todas as frentes de atendimento ao setor educativo (plataformas de tecnologia educacional, e-books e aplicativos de controle administrativo, gamificação do conhecimento). Mercado em pleno crescimento, conforme a Metaari (2019), o setor que atua no segmento de aprendizagem baseada em jogos crescerá muito mais com o advento das novas IAs. Por meio das Edtechs uma gama de plataformas oferece serviços diversos que subsidiam a sua manutenção e reprodução de um sistema que se apresenta dinâmico, mas que produz diferenças e imposições severas à formação e à discussão sobre a educação e o trabalho na educação.
Os investimentos em pesquisas sobre realidade virtual, inteligência artificial e neurociências subsidiam esse mercado, e as formas de expropriação ou Landnahme no contexto educativo também contribuem para o vertiginoso desempenho das Edtechs, uma vez que hoje controlam desde a gestão escolar, gestão administrativa e serviços a estudantes; o aprimoramento de experiências de aprendizagem; treinamento docente; facilidade de acesso ao conhecimento e formação; acompanhamento e metrificação de desempenho de funcionários; até a personalização e gerenciamento de aprendizado.
No contexto da qualidade da informação, temos que considerar uma guerra de narrativas e um rompimento e ataques à ciência e ao conhecimento de governos ora conservadores ora subalternizados pelas corporações tecnológicas e de informação. Discursos que acompanhamos de modo massivo, no caso brasileiro, no contexto dos governos Michel Temer (2016-2017) e Jair Bolsonaro (2018-2022). Nesse processo, vemos a plataformização da informação e da educação, uma série de empresas voltadas à reverberação de fake news e informação enviesada. Também lobbies interferindo na regulamentação de redes, usos indiscriminados de sistemas privados de tecnologia de informação na esfera pública, principalmente educacional, assimetria na rede de informação e conhecimento (Rezera e Bevilacqua Sobrinho, 2020).
É o que expressam, ainda, as pesquisadoras Rezera e D’Alexandre (2020), sobre as Edtechs no momento pandêmico, que estavam mais atentas à “promoção” de competências digitais, intensificação e preponderância de ferramentas com usos políticos e ideológicos no campo educativo, do que de fato sanar as deficiências estruturais da aprendizagem de demandas psicoemocionais que exigia o momento. Outro destaque são as possibilidades de reprodução de fake news e revisionismos empregados por Edtechs, o caráter de antipolítica que os usos educacionais via plataformização produzem, ademais da interferência de alinhamento neoliberal nas subjetividades dos docentes e discentes.
Considerações finais
Diante da influência da IA na educação, questionamos o propósito do ensino. Como inspirar os futuros cidadãos a agirem de forma autônoma e consciente? Afinal o que está em disputa são as consciências, e tendo em vista que a IA tende a dominar toda a relação educativa, nos perguntamos, assim como Chomsky (2023), num mundo em rápida mudança, qual o sentido de ensinar? De que educação se trata? Como instigar os que construirão o futuro a fazê-lo de maneira consciente e autônoma? São questões colocadas por diversos pesquisadores, e, à medida que ocorrem mudanças sociais e os avanços no setor de tecnologia se expandem, principalmente no processo de ensino e aprendizagem, mais se avolumam a preocupação com a superação do neotecnicismo e as diferenças de acesso à educação, mormente para a educação da classe trabalhadora.
A IA na educação deve ser abordada como parte de um processo amplo, não apenas como uma ferramenta facilitadora. É necessário um engajamento ativo no ensino, desafiando a passividade imposta pela padronização e pela performatividade. Enquanto grandes empresas instrumentalizam a educação, é preciso estimular o pensamento crítico, a complexidade e o esforço, conforme proposto por Gramsci. O exercício da didática do esforço, como elemento emancipatório do qual é capaz a educação em seu sentido alargado, isto é, não apenas escolar, mas também em outros espaços educativos. E esse é um ponto indeclinável, porque mesmo que a escola e seus recursos humanos e estruturais estejam viciados à conduta mercantilizadora e expropriadora, ainda há interação humana capaz de estimular novas formas de interlocução entre conhecimento e sociedade. Assim, há espaços para contestação e disputa que se contraponham à ideologia dominante e que valorizem concepções de mundo mais plurais, capazes de subsidiar o bom senso, ao invés do senso comum e a apatia que nos cercam, mesmo diante de grandes desafios.
A IA tem o potencial de transformar a sociedade, mas suas decisões de uso devem ser compartilhadas. É preciso estar precavido contra a manipulação e a exclusão, defendendo os interesses da maioria contra a instrumentalização da IA por interesses privados. Retomemos, Marcus (2024) quanto a IA ainda não ser capaz de capturar o que é senso comum, mas servir como instrumento de intransigências das corporações do setor, numa relação de abusos sem precedentes. Os avanços da IA e da IA generativa, sem uma discussão coletiva e regulada de seus usos, servem apenas como instrumento deletério à sociedade (Marcus, conforme citado em MIT Technology Review, 2024) E deletério porque a IA não é capaz de criar soluções inovadoras e seu uso extensivo indica que pode apassivar o conhecimento abstrato (Miguel Nicolelis, em entrevista ao UOL, 2025). Assim, a discussão sobre democracia, Estado e ideologia deve permear toda a governança da educação, privilegiando o espaço escolar e seu conhecimento acumulado.
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Danielle do Nascimento Rezera
Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Mestre em História Econômica pela FFLCH - Universidade de São Paulo (USP). (2012). Possui Licenciatura Plena em História e Pedagogia. Bolsista Capes (DS e PDSE). É Pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Política Educacional e Gestão Escolar (GEPPEGE/Unifesp); do Grupo de Estudos Marxistas (UFF- Rio das Ostras) e do Grupo de Estudos Gramsci e a Educação.
Agenor Bevilacqua Sobrinho
Doutor em Artes Cênicas pelo CAC/ECA-USP, Mestre em Artes pela IA-UNESP. Filósofo pela FFLCH-USP, professor universitário, dramaturgo, editor e escritor. Autor de Atualidade/utilidade do trabalho de Brecht. Uma abordagem a partir do estudo de quatro personagens femininas, A Lente, A Guerra de Yuan e O Rato Pensador. É pesquisador do Grupo de Pesquisa “Estudos histórico-críticos e dialéticos de teatro estadunidense e brasileiro” (CNPq).
* Este artigo tem como base uma pesquisa sobre educação durante a pandemia, cujo objetivo é compreender as políticas educacionais no contexto das inovações tecnológicas e seu impacto na sociabilidade humana. Trata-se de uma extensão de debates consolidados sobre o tema, desenvolvidos em outras discussões e aqui atualizados. Correspondências referentes a este artigo devem ser endereçadas a Danielle do Nascimento Rezera (daniellerezera@yahoo.com.br).
1 O termo é desenvolvido nos Manuscritos econômico-filosóficos (Marx, 2010), em que o autor elenca como se estrutura no capitalismo o movimento de alienação, no qual o estranhamento (Entfremdung) é eixo fundamental.
2 ELIZA é o chatbot que por meio de conversa de texto assumia a posição de um psicoterapeuta, emulando conversas por meio de palavras-chave.
3 Entretanto, a criação da Deep Seek, a IA chinesa, demonstrou que, por um lado, é possível produzir uma IA por uma fração do valor anunciado pelos concorrentes ocidentais, e, por outro lado, que isso pode evidenciar o provável superfaturamento embutido nos orçamentos previstos das empresas do Ocidente.
4 Os aparelhos privados de hegemonia estão conectados ao tema da governança, posto que a atuação desses aparelhos cresce na mesma proporção em que o Estado passa a desenvolver estratégias mais complexas de regulação e controle da ação pública (Schneider, 2021). Atuam, portanto, na obtenção de posições de direção e governo da sociedade. “Os aparelhos privados de hegemonia ligam-se direta ou indiretamente ao solo da produção, permitindo compreender como diferentes tendências e contradições são traduzidas em formas mais ou menos organizadas de cultura e de consciência e chegam a condensar-se como projetos políticos” (Fontes, 2018, p. 221).
5 A esse respeito, Gramsci considera a centralidade dos intelectuais no mundo contemporâneo, haja vista sua conexão com a formação de uma concepção de mundo. São orgânicos, os intelectuais que estão conectados ao mundo do trabalho, às organizações políticas e culturais que influenciam as relações de produção e sociabilidade. Então, são orgânicos os intelectuais que, além de especialistas na sua profissão, que os vincula profundamente ao modo de produção do seu tempo, elaboram uma concepção ético-política que os habilita a exercer funções culturais, educativas e organizativas para assegurar a hegemonia social e o domínio estatal da classe que representam (Gramsci, 1975, p. 1.518).
6 Antonio Gramsci amplia o conceito de Estado, delineia-o pela multiplicidade de atores e interesses em disputa. Elabora, então, a compressão de unidade distinção entre sociedade política + sociedade civil (‘hegemonia couraçada de coerção’), conformando um Estado orgânico ou integral.