Historia Crítica

Hist. Crit. | eISSN 1900-6152 | ISSN 0121-1617

Ferrovia e memória: a Companhia Paulista pelo crivo de raça e classe entre 1930 e 1970

No. 84 (2022-04-01)
  • Lania Stefanoni Ferreira
    Universidade Federal do abc e Centro Universitário FEI, Brasil

Resumo

Objetivo/contexto: este trabalho é resultado de uma pesquisa de doutorado que buscou analisar as trajetórias de ferroviários, negros e brancos, no interior do Estado de São Paulo, Brasil, nas cidades de Rio Claro, São Carlos e Araraquara, entre 1930 e 1970. A pesquisa dedicou-se a uma leitura de como as empresas ferroviárias do século xx, além de interligarem regiões e aproximarem trabalhadores de diferentes raças, influenciaram na ascensão e na mobilidade destes no campo econômico, político, social e cultural ante os outros trabalhadores da época. Objetivou-se analisar as trajetórias e as memórias desses operários, e compreender como trabalhadores brancos e negros se relacionavam no que tange às questões de raça e classe. Metodologia: a partir dos conceitos metodológicos de memória e história oral, foram entrevistados cerca de 75 ex-ferroviários da Companhia Paulista; contou-se, ainda, com fontes documentais diretas e indiretas, como livros, artigos, jornais de época e demais materiais impressos na realização da pesquisa. Originalidade: o artigo avança nas análises apresentadas, no que se refere às intersecções possíveis permeadas pela história oral pelo crivo da etnia e pela posição ocupada no mundo do trabalho. Conclusões: a ideia de família ferroviária adaptou-se ao mito da democracia racial por seu duplo significado: apesar dos conflitos internos que pudessem existir, possibilitava a todos seus trabalhadores o reconhecimento como ferroviários, no ambiente externo ao trabalho. A ambiguidade entre cor e classe coexistia na trajetória desses entrevistados como uma relação de implicação e não de causalidade. A aparência do encurtamento das distâncias por meio da informalidade no convívio teve um fundo emotivo que permeou mesmo aquelas relações que seriam mais caracteristicamente impessoais. O fetiche da igualdade entre os ferroviários funcionou como mediador nas relações de classe que em muito contribuiu para que situações conflitivas frequentemente não resultassem em conflitos de fato, mas em conciliação no interior da ferrovia.

Palavras-chave: ferrovia, ferroviários, história oral, memória, relações étnico-raciais

Referências

Fontes primárias

Entrevistas

Adriano, em discussão com autor, 19, setembro, 2007, Rio Claro.

César, em discussão com autor, 10, março, 2007, São Carlos.

Fernando, em discussão com autor. 15, junho, 2007, Araraquara.

Flávio, em discussão com autor. 18, setembro, 2007, São Carlos.

Guilherme. em discussão com autor. 9, junho, 2007, Rio Claro.

Gustavo, em discussão com autor. 16, abril, 2007, Araraquara.

Marcos, em discussão com autor. 10, abril, 2007, Rio Claro.

Otávio, em discussão com autor. 8, junho, 2007, São Carlos.

Pedro, em discussão com autor. 14, abril, 2007, Araraquara.

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