“Eu sou parte de uma classe de produtores que perdeu a sabedoria lá de trás e começou a pisar dentro das tecnologias”: trajetórias camponesas na fabricação de queijos artesanais em Minas Gerais
No. 40 (2020-07-01)Autor(es)
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Leonardo Vilaça DupinUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil
Resumo
Este artigo é resultado de um trabalho etnográfico realizado em fazendas produtoras de queijos artesanais, no sudoeste de Minas Gerais, Brasil. O objetivo é discutir a complexidade da atividade e a presença contemporânea dos camponeses na fabricação, os quais são analisados como sujeitos históricos, com diversidade de formas de ser e viver, e características particulares em relação ao conceito clássico de camponês, resultantes de situações próprias nacionais e regionais. Escapando da ilusão da circunscrição da sociedade tradicional, como um isolado social e cultural bem-definido, a categoria “camponês”, nos âmbitos locais, emergiu como um problema epistemológico a ser enfrentado. Em um contexto contemporâneo, marcado pelo acelerado fluxo de pessoas e coisas, no qual fronteiras se mostram cada vez mais diluídas, tal categoria não foi entendida e utilizada como noção de sociedade, mas enquanto atores que se associam em redes diversas e que têm a família, a terra e o trabalho como elementos morais a partir dos quais estabelecem relações específicas com os territórios ocupados. É uma parte dessa complexidade de relações que trago aqui. Ao me aproximar das experiências e práticas desenvolvidas pelos sujeitos sociais, por meio do trabalho de campo, a pesquisa me conduziu ao desafio de uma etnografia com múltiplos atores, vários “chãos” etnográficos e com questões de ordem empírica a serem enfrentadas. Diante de tal situação, optei por assumir a ideia de uma “campesinidade”, entendida como uma subjetividade presente em maior ou menor medida em diferentes grupos específicos que se articulam em graus distintos e de forma ambígua com a modernidade. Por fim, trago exemplos de como a trajetória desses atores não é linear, na qual um movimento que se dirige a uma dimensão da modernidade pode abrir variantes que reconstituam a tradição. Ante a chegada de normas sanitárias, que reforçam processos de “modernização”, e atividades fiscalizatórias, que colocam os produtores da Canastra na ilegalidade, analiso como estes constroem estratégias locais a partir de seus modos de campesinidade.
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