A fala das sombras: domesticação da diferença entre jovens Guarani-Mbya no Sul do Brasil
No. 41 (2020-10-01)Autor(es)
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Ferdinando A. Armenta IruretagoyenaUniversidade Federal de Pernambuco, Brasil
Resumo
O pressuposto de “identidade” prescreve à cultura um modo “naturalista” de identificação, como se todo grupo social se definisse exclusivamente em oposição a outro. Partindo de um caso de jovens guaraní-mbya (Nação Guarani do Rap) que fazem rap, analisarei, por um lado, o lugar que os juruá (pessoas não indígenas) ocupam nos relatos mbya e, por outro, a afinidade potencial entre o rap e a questão guarani. A música constitui um conhecimento que sintetiza os conflitos socioterritoriais que atualmente enfrentam várias comunidades indígenas no Brasil e em outras partes do mundo. A partir da literatura etnológica sobre os grupos tupi-guarani, a música (cantos ou danças) configura um meio para lidar com os outros e suas ameaças potenciais. A noção de pessoa mbya usa a diferença como enclave de sua identificação: o outro (inimigo, morto, divindades, animais) pode ser constitutivo de si (self) através de um processo de “domesticação”. Mediante observações no trânsito pela aldeia e as apresentações, bem como do trabalho colaborativo que realizei como facilitador audiovisual do grupo entre 2017 e 2019, evidenciarei o papel da música como forma de “predar” o outro. Concluo que a presença do rap entre os Mbya se baseia em um encontro “lírico-expressivo” legível, por exemplo, no lugar que ambos os esquemas culturais concedem à palavra falada ou à fluência com a qual é proferida. Tudo isso compreende uma tentativa de problematizar o contato, não a partir do nível da identidade, mas como um continuum entre as formas expressivas.
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