Uma ética do coabitar para a conservação biocultural dos rios
No. 3 (01-09-2022)Autor(es)
-
Ricardo RozziCape Horn International Center (CHIC), University of North Texas (Estados Unidos), & Universidad de Magallanes (Chile)
Resumo
Durante o século XX, inúmeros rios foram bombeados, canalizados, estratificados, represados e transpostos. Cursos e corpos d’água muito diversos (rios, arroios, lagos, áreas úmidas, estuários e aquíferos) foram transformados para a agricultura de irrigação, energia, abastecimento de áreas urbanas ou simplesmente para favorecer interesses econômicos. Essas transformações foram impulsionadas por uma mentalidade herdada da modernidade que levou a entender e explorar os rios como meros canais de água ou combustível para a produção de energia. Essa mentalidade unidimensional continua promovendo a conversão dos rios em canais pavimentados e/ou obstrução pela construção de grandes usinas hidroelétricas em todo o mundo. Neste artigo, utilizo o referencial conceitual das “3Hs” (hábitos, hábitats, coabitantes) de minha ética biocultural para criticar o problemático hábito moderno de canalizar indiscriminadamente cursos de água que conduz à proliferação de hábitats homogêneos (singrados por cursos de água cativos) que implica o sofrimento ou eliminação de visões de coabitantes. Estes incluem tanto a exuberante biodiversidade biológica que habita os rios (peixes de água doce, insetos, plantas, algas e bactérias) quanto a rica diversidade cultural de comunidades humanas que coabitam nas bacias hidrográficas. De forma complementar, o modelo das 3Hs de minha ética biocultural pode ser um guia para a proteção ou regeneração das conexões das sociedades humanas com os rios, transformando não somente os hábitats biofísicos, mas também nossa cultura simbólica e material. Neste texto, exploro como a perspectiva de minha ética biocultural justifica e é justificada 1) pela revalorização filosófica do conceito de meandro desenvolvida pela pensadora ambiental Irene Klaver; 2) pelas metodologias científicas inovadoras para estudar a biota fluvial propostas pela ecologista dulciaquícolas Tamara Contador; 3) pela recente atribuição legal de direitos bioculturais aos rios na Colômbia, na Nova Zelândia e na Índia, e 4) pelas expressões de poetas indígenas e outros artistas que comunicam as profundas interconexões rio-humano. Por um lado, a adoção da ética biocultural nos exige abandonar uma mentalidade unidimensional para abraçar formas ancestrais e novas de pensamento sistêmico, contextual, complexo e dinâmico a fim de compreender e valorizar os rios. Por outro, devemos cultivar hábitos de cuidado dos habitats ribeirinhos onde coabitamos com diversos coabitantes humanos e outros-que-humanos, cujo bem-estar procuramos. Assim, emerge uma ética de coabitar que nos orienta a valorizar e defender a conservação biocultural dos rios.
Referências
Anand, N. (2017). Hydraulic city: Water and the infrastructures of citizenship in Mumbai. Duke University Press.
Berros, M.V. (2021). Challenges for the implementation of the rights of nature: Ecuador and Bolivia as the first instances of an expanding movement. Latin American Perspectives, 48(3), 192-205. https://doi.org/10.1177%2F0094582X211004898
Callicott, J.B. (2017). Cosmovisiones de la Tierra. Un estudio multicultural de éticas ecológicas desde la cuenca del Mediterráneo hasta el desierto australiano. Plaza y Valdés.
Camp Horinek, C. (2017). An indigenous perspective: Rights of Nature tribunal opening remarks. In S.Biggs, T.B.K.Goldtooth, & O. OrielleLake (Eds.), Rights of Nature and Mother Nature: Rights-based law for systemic change (pp. 12-14). Movement Rights; Indigenous Environmental Network; WECAN. https://www.ienearth.org/wp-content/uploads/2017/11/RONME-RightsBasedLaw-final-1.pdf
Contador, T., Rozzi, R., Kennedy, J., Massardo, F., Ojeda, J., Caballero, P., Medina, Y., Molina, R., Saldivia, F., Berchez, F., Stambuk, A., Morales, V., Moses, K., Gañan, M., Arriagada, G., Rendoll, J., Olivares, F., & Lazzarino, S. (2018). Sumergidos con lupa en los ríos del Cabo de Hornos: valoración ética de los ecosistemas dulceacuícolas y sus co-habitantes. Magallania (Punta Arenas), 46(1), 183-206. https://dx.doi.org/10.4067/S0718-22442018000100183
García, A. (2007, October 28). El síndrome del perro del hortelano. El Comercio. https://elcomercio.pe/bicentenario/2007-l-el-sindrome-del-perro-del-hortelano-l-bicentenario-noticia/
González-Morales, V. (2022). Philosophical analysis of the legal mechanisms for biocultural conservation and restoration of Latin American rivers [submitted doctoral dissertation]. University of North Texas.
Harvey, D. (2008). The right to the city. New Left Review, (53), 23-40. https://newleftreview.org/issues/ii53/articles/david-harvey-the-right-to-the-city
Johnston, B.R. (2012). Water, culture, power: Hydrodevelopment dynamics. In B.R.Johnston, L.Hiwasaki, I.J.Klaver, A.Ramos Castillo, & V.Strang (Eds.), Water, cultural diversity &global environmental change: Emerging trends, sustainable futures? (pp. 295-318).UNESCO Intergovernmental Hydrological Programme (IHP); Springer Dordrecht. https://doi.org/10.1007/978-94-007-1774-9
Kahn, C. H. (1979). The art and thought of Heraclitus. Cambridge University Press.
Kauffman, C.M., & Martin, P.L. (2018, April 4). When rivers have rights: case comparisons of New Zealand, Colombia, and India. International Studies Association Annual Conference, San Francisco, United States. http://files.harmonywithnatureun.org/uploads/upload585.pdf
Kibel, P.S. (2007). Bankside urban: An introduction. In P.S.Kibel (Ed.), Rivertown: Rethinking urban rivers (pp. 1-22). The MIT Press. https://doi.org/10.7551/mitpress/7411.003.0001
Klaver, I.J. (2012). Placing water and culture. In B.R.Johnston, L.Hiwasaki, I.J.Klaver, A.Ramos Castillo, & V.Strang (Eds.), Water, cultural diversity &global environmental change: Emerging trends, sustainable futures? (pp. 9-29). UNESCO Intergovernmental Hydrological Programme (IHP); Springer. https://doi.org/10.1007/978-94-007-1774-9
Klaver, I.J. (2013). Environment Imagination Situation. In R.Rozzi, S.Pickett, C.Palmer, J.J.Armesto, & J.B.Callicott (Eds.), Linking ecology and ethics for a changing world: Values, philosophy, and action (pp. 85-105), Ecology and Ethics (vol. 1). Springer. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7470-4_7
Klaver, I.J. (2018). Reclaiming rivers from homogenization: Meandering and riverspheres. In R.Rozzi, R.H.MayJr., F.S.Chapin III, F.Massardo, M.C.Gavin, I.J.Klaver, A.Pauchard, M.A.Nuñez, & D.Simberloff (Eds.), From biocultural homogenization to biocultural conservation (pp. 49-69), Ecology and Ethics (vol. 3). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-99513-7
Law, J., & Urry, J. (2005). Enacting the social. Economy and Society, 33(3), 390-410. https://doi.org/10.1080/0308514042000225716
Lienlaf, L. (1989). Se ha despertado el ave de mi corazón. Editorial Universitaria.
Lynch, P. (2018). Futaleufú XL: «Los ríos están vivos». Patagon Journal, (13), 21.
Macpherson, E., Torres Ventura, J., & Clavijo Ospina, F. (2020). Constitutional law, ecosystems, and indigenous peoples in Colombia: Biocultural rights and legal subjects. Transnational Environmental Law, 9(3), 521-540. https://doi.org/10.1017/S204710252000014X
Neruda, P. (1954). El Río. In Las uvas y el viento (pp. 54-55). Editorial Nascimento.
Richter, B.D., Postel, S., Revenga, C., Scudder, T., Lehner, B., Churchill, A., & Chow, M. (2010). Lost in development’s shadow: The downstream human consequences of dams. Water Alternatives, 3(2), 14-42. https://www.water-alternatives.org/index.php/alldoc/articles/vol3/v3issue2/80-a3-2-3/file
Rozzi, R. (2001). Éticas ambientales latinoamericanas: raíces y ramas. In R.Primack, R.Rozzi, P.Feinsinger, R.Dirzo & F.Massardo (Eds.), Fundamentos de conservación biológica: perspectivas latinoamericanas (pp. 311-362).Fondo de Cultura Económica.
Rozzi, R. (2012). Biocultural ethics: Recovering the vital links between the inhabitants, their habits, and habitats. Environmental Ethics, 34(1), 27-50. https://doi.org/10.5840/enviroethics20123414
Rozzi, R. (2013). Biocultural ethics: From biocultural homogenization toward biocultural conservation. In R.Rozzi, S.Pickett, C.Palmer, J.J.Armesto, & J.B.Callicott (Eds.), Linking ecology and ethics for a changing world: Values, philosophy, and action (pp. 9-32), Ecology and Ethics (vol. 1). Springer. https://doi.org/10.1007/978-94-007-7470-4_7
Rozzi, R. (2018). Biocultural homogenization: a wicked problem in the Anthropocene. In R.Rozzi, R.H.MayJr., F.S.ChapinIII, F.Massardo, M.C.Gavin, I.J.Klaver, A.Pauchard, M.A.Nuñez, & D.Simberloff (Eds.), From biocultural homogenization to biocultural conservation (pp. 21-48), Ecology and Ethics (vol. 3). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-99513-7
Rozzi, R. (2019). Taxonomic chauvinism, no more! Antidotes from Hume, Darwin, and biocultural ethics. Environmental Ethics, 41(3), 253-288.
Rozzi, R. (2021). Los ríos de Chile: una ética del cohabitar para su conservación biocultural. In C.Aldunate, & H.Rodríguez (Eds.), Caminos del Agua. Los Ríos Chile (pp. 342-351), Colección Santander. Museo de Chileno de Arte Precolombino.
Santafe-Troncoso, V., & Loring, P.A. (2021). Traditional food or biocultural threat? Concerns about the use of tilapia fish in Indigenous cuisine in the Amazonia of Ecuador. People and Nature, 3(4), 887-900. https://doi.org/10.1002/pan3.10235
Seal, J. (2012). Meander: East to West, indirectly, along a Turkish river. Bloomsbury.
Sentencia T-622, principio de precaución ambiental y su aplicación para proteger el derecho a la salud de las personas-caso de comunidades étnicas que habitan la cuenca del río Atrato. (2016). Corte Constitucional de Colombia. https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2016/t-622-16.htm
United Nations. (2014). World urbanization prospects: The 2014 revision -highlights (ST/ESA/SER.A/352). United Nations. https://population.un.org/wup/Publications/Files/WUP2014-Highlights.pdf
Vasak, K. (1977). A 30-year struggle. The sustained efforts to give force of law to the Universal Declaration of Human Rights. The UNESCO Courier, XXX(11), 28-29. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000048063
World Commission on Dams (WCD). (2000). Dams and development: A new framework for decision-making. Earthscan Publications. https://archive.internationalrivers.org/sites/default/files/attached-files/world_commission_on_dams_final_report.pdf
Zeedyk, B., & Clothier, V. (2014). Let the water do the work: induced meandering, an evolving method for restoring. White River Junction, Chelsea Green Publishing.
Licença
Copyright (c) 2022 Ricardo Rozzi

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.