Governamentalidade algorítmica e tecnologias de reconhecimento facial: reconfigurações punitivas no contexto brasileiro
No. 94 (2025-10-15)Autor(es)
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Tiago Luis Schervenski da SilvaPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, BrasilORCID iD: https://orcid.org/0009-0000-9780-1274
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Ricardo Jacobsen GloecknerPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, BrasilORCID iD: https://orcid.org/0000-0002-1205-380X
Resumo
Este artigo investiga as transformações das práticas punitivas contemporâneas no contexto social atual, no qual os dados e os algoritmos assumem um papel central nas dinâmicas de poder e controle. Procura-se responder à questão sobre qual é a função dos algoritmos nas práticas punitivas atuais e quais são os seus efeitos. Para isso, analisa-se o uso de tecnologias de reconhecimento facial na segurança pública brasileira, particularmente nos estados da Bahia e de Goiás. Por meio de revisão bibliográfica, explora-se o cenário biopolítico contemporâneo, marcado pela crise dos meios tradicionais de confinamento. Diante dessa crise, emergem novas formas de controle que se desvinculam das tecnologias carcerárias e estabelecem mecanismos de vigilância em espaços abertos, fundamentados em dispositivos securitários e na lógica da gestão de risco. Nesse contexto, os dados se tornam essenciais para as práticas punitivas, impulsionando o desenvolvimento de técnicas refinadas de vigilância. O artigo examina como os sistemas informáticos em rede capturam, processam e utilizam esses dados, investigando sua lógica e racionalidade. A pesquisa busca compreender como esses dispositivos podem produzir resultados enviesados, especialmente contra pessoas racializadas e em situação de vulnerabilidade de gênero. Os resultados evidenciam que (i) o uso dessa tecnologia apresenta viés discriminatório que reforça as desigualdades raciais e de gênero no contexto da vigilância; e (ii) essas tecnologias inflamam a vigilância e o gerenciamento de dados sob uma racionalidade pretensamente objetiva que, por fim, serve para criar perfis preditivos e proferir vereditos silenciosos sobre os sujeitos.
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